Anotícia de que os designers paulistas e irmãos Humberto e Fernando Campana vêm a Porto Alegre, na próxima quarta-feira, para o lançamento de um saca-rolhas em evento só para convidados, no Cafe de La Musique é praticamente como dizer que a über-model Gisele Bündchen desfilará no DonnaFashion, ou que Pelé está escalado para um Gre-Nal entre gremistas e colorados veteranos. A diferença dos Campana para Gisele e Pelé é única: diferentemente da moda e do futebol, o design é seara ainda pouco conhecida e explorada no Brasil. Por isso, a comparação pode soar meio exagerada. Mas não é.
Fernando e Humberto Campana simbolizam a expressão máxima dessa profissão no país e servem de referência em outros continentes. São reconhecidos por sugerir novos códigos de leitura sobre os objetos, além de contribuir para mudanças de perspectivas sobre a vida cotidiana.
A habilidade da dupla para compreender a essência de uma marca e a segurança com que criam sem perder as origens dela têm feito com que sejam procurados para reinventar a identidade de grifes globais.
No design de interiores, já desconstruíram e reinventaram as lojas Camper em Berlim, Barcelona, Zaragoza, Florença, Londres e Nova York. Atualmente, redesenham o Café des Hauteurs, do Museu d'Orsay, em Paris, previsto para abrir no ano que vem, e exploram novas soluções para a ambientação do antigo Olympic Hotel, em Atenas - o primeiro projeto de um hotel assinado por eles.
Entre as parcerias artísticas mais recentes, está a criação dos figurinos e cenário do espetáculo Métamorphoses, do Ballet National de Marseille, e a cenografia do musical Peter and the Wolf, apresentado no Museu Guggenheim em Nova York. Humberto, 57 anos, e Fernando, 49, integram também coleções permanentes de renomadas instituições de arte, como Museu de Arte Moderna de São Paulo, MoMA, em Nova York, Centre Georges Pompidou, em Paris, além do Vitra Design Museum, em Weil am Rhein, região da Alemanha que faz fronteira com a Suíça.
Nada mais natural, portanto, que o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) pedisse socorro aos Campana para que ajudassem a vender a imagem do vinho brasileiro aqui e lá fora. O resultado foi a criação deste saca-rolhas ao lado, o novo ícone da marca Vinhos do Brasil/Wines From Brazil, fabricado pela Tramontina e, desde já, objeto de cobiça dos aficionados pela bebida e pelo design.
– É a força da natureza e o poder de abstração, um objeto funcional, mas extremamente emocional e lúdico – define Humberto Campana. – Vejo o design como objeto de afeto. Estamos vivendo muito pouco o afeto e tentamos trazer essa emoção para os nossos objetos.
Gerente de promoção e marketing do Ibravin, Diego Bertolini desfia um sem-número de razões para a parceria com os Campana.
– Queríamos vender uma imagem de alegria, de beleza, de autenticidade, de um Brasil cool - enumera. – E os Campana são referência no Brasil e no mundo em design de vanguarda, além de estarem sempre presentes nos mais importantes eventos de arte aqui e lá fora. Ninguém melhor para representar a imagem do produto do que eles.
A ideia não poderia ter agradado mais aos Campana. Nesse momento de ode ao Brasil e à cultura brasileira, eles vislumbram, pela primeira vez, a possibilidade de empresas nacionais apostarem em design.
– O design, assim como aconteceu com a moda, precisa ganhar credibilidade e investimentos para despontar, pois ele é capaz de traduzir e exportar a cultura de um povo - analisa Humberto. - Está faltando ousadia dos empresários, e a hora é agora - provoca.
Ele e Fernando são a simplicidade em sua mais pura essência, e o estúdio Campana, situado no bucólico bairro Santa Cecília, em São Paulo, traduz esse singelo way of life. Funciona atrás de uma porta metálica de um antigo galpão. Nos dois pavilhões divididos por um pátio, trabalham apenas 12 pessoas (arquitetos, costureiras e um artesão). Entre amostras de couro, cristais e fios de arame, a equipe materializa as ideias que são destinadas a linhas de produção de empresas nacionais e internacionais, como Edra, Alessi, Artecnica, Bernardaud, Corsi Design, Kreo, Magis, Grendene, Skitsch e Plus Design.
O estúdio notabilizou-se pelo design de mobiliário, mas tem participação em várias mídias e é dirigido a distintos públicos. Na área de moda, os irmãos assinam a Coleção Campana da grife de joias H. Stern, além da reinterpretação em edição limitada da polo Lacoste e do histórico de colaborações com a marca de calçados e bolsas Melissa, da Grendene. Não há brasileira ligada em moda que não conheça a Melissa Campana, um fenômeno de vendas e de imitações mundo afora.
- Não poderíamos ter feito melhor parceria ao associar conteúdo de moda a design - comemora Paulinho Pedó, gestor da marca Melissa. - Os Campana se notabilizam por usar materiais ordinários e transformá-los em extraordinários. É um conceito que só agora começa a aparecer na Europa e que nos coloca na vanguarda desse movimento.
O lançamento
O saca-rolhas criado pelos irmãos Campana com arame de aço inox ajudará a vender a nova imagem dos vinhos brasileiros no Brasil e no Exterior
Melhores momentos
Humberto é graduado em Direito; Fernando, em Arquitetura. Nasceram no interior paulista e o interesse pelo design surgiu no final de 1983. Logo, a dupla se tornaria a mais festejada do Brasil, com influência mundial. Fernando e Humberto transfiguraram o design brasileiro e provocaram um refluxo na produção internacional de mobiliário, fazendo a indústria acolher etapas artesanais no processo de produção em massa. Em Porto Alegre, a loja Habitart obtém exclusividade na comercialização de alguns objetos com valores de obras-de arte. A fruteira Sushi, por exemplo, custa RS 2.075. O balcão Célia, R$ 12.010.
Cadeira Vermelha
Feita com estrutura de ferro cromado e assento de 300 metros de cordas de algodão tingido trançadas a mão, é produzida pela empresa italiana Edra. "Tivemos que fazer um vídeo para a Edra entender como ela deveria ser feita", conta Humberto. O sucesso foi tanto que a loja italiana Vitra criou uma versão só com as cores da Itália.
Cadeira Corallo
É presença em acervos de importantes museus e serviu de inspiração para o saca-rolhas desenvolvido pela Tramontina e para a Melissa Corallo. Segundo os Campana, tem potencial para amadurecer ainda mais. "Conseguimos uma poesia muito grande, mas acreditamos que ainda existirá uma ferramenta que permitirá o desenvolvimento de um silicone que se molde ao corpo", diz Humberto.
Cadeira Favela
Inspirada na favela da Rocinha, no Rio, apresenta um conceito do acúmulo de materiais. É feita com ripas de madeira encontradas nas ruas de São Paulo. "É o chamado anti-design", define Humberto. Junto com a Cadeira Vermelha, pertence ao acervo do Centre Georges Pompidou, em Paris. É fabricada fora do Brasil, em edições limitadas, e custa 7,6 mil euros.
Desconfortáveis
As cadeiras Positivo e Negativo, feitas de aço, são representantes da inesquecível e primeira exposição da dupla, Desconfortáveis, e simbolizavam a ruptura com o dogma da funcionalidade. "Nessa época, eu queria ser escultor, e elas revelam um trabalho bem autoral", conta Humberto.
Polo Lacoste
A dupla brincou com a tradição do crocodilo da Lacoste, com linhas embaralhadas, aglomerados de corpos, materiais e tecidos sobrepostos. As polos fizeram parte da Lacoste Holiday Collector's Series 2009, modelos em edição limitada - apenas 20 mil unidades e só produzidas sob encomenda. "A gente quis fazer um trabalho bem brasileiro", diz Humberto. A mais impressionante é a polo feita apenas com os crocodilos grudados uns aos outros, sem nenhum outro tecido. Lembra as rendas do Nordeste.
Cadeira Sushi
Composta de retalhos de diferentes tecidos, é uma das peças que mais agradam aos irmãos Campana, fabricada pela empresa italiana Edra. "Ela foi muito pouco divulgada e aponta para um conceito novo de se fazer móvel. Não possui estrutura, ou melhor, as estruturas são os tecidos, colados uns aos outros."
Coleção H.Stern
A coleção Campana para H.Stern, pensada pela dupla em parceria com a equipe da joalheria, compreende várias peças, mas a preferida deles é o bracelete Pantrográfica, feito de aço. "Porque ele se aproxima mais de nosso trabalho, que é criar com o barato no sentido do banal", analisa Humberto. O bracelete Mosaico e os brincos Craft também fazem parte da série especial de 65 peças divididas em 10 linhas conceituais.
Melissa Campana
Sucesso de vendas no Brasil e copiada em todos os outros continentes, a Melissa Campana é um dos maiores fenômenos do setor calçadista. Cada ano, é reinventada pela dupla de designers. A mais recente é a Melissa Costela de Adão (R$ 70, preço estimado), alçada a hit do verão 2011, no SP Fashion Week. "O sucesso é tanto que, no Exterior, pensam que nós somos designers de calçados", diverte-se Humberto. "O fato de ser amplamente copiada não deixa de ser uma homenagem ao nosso trabalho."