A palavra sustentabilidade está cansando. O alerta é feito pelo gaúcho Oskar Metsavaht, que criou os fundamentos de desenvolvimento sustentável da Osklen há mais de 20 anos. Fundador e diretor de criação e estilo da marca, o designer esteve em Porto Alegre para palestrar na 7ª Feira Brasileira do Varejo no dia 29 de maio. Na sua fala, afirmou que "o novo luxo é a estética da ética". Para ele, a ética está em uma cadeia de produção transparente e justa, valores que são a cara do século 21.
Em entrevista exclusiva à Revista Donna, Metsavaht defende que a sustentabilidade seja parte da cultura de uma marca e não um mero jogo de marketing. Uma das pioneiras da moda sustentável no Brasil, a Osklen completou duas décadas no ano passado. Para celebrar a data, abriu seus dados para que o Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro quantificasse os impactos ambientais, sociais e culturais da marca e do Instituto-e, fundado em 2006 e presidido por Metsavaht. A organização idealiza e implementa projetos socioambientais com foco na promoção do desenvolvimento humano sustentável.
O levantamento revelou que, só na produção de pele de Piracuru, usada em 48% dos acessórios em couro da Osklen, mil famílias ribeirinhas já foram beneficiadas. Além disso, 27 toneladas de gases do efeito estufa deixaram de ser emitidos por ano.
Também em 2018, a marca lançou o conceito ASAP - As Sustainable as Possible (“tão sustentável quanto possível”). A sigla, na verdade, significa “as soon as possible” (“o mais rápido possível”). O trocadilho é uma referência que dá caráter de urgência ao tema da sustentabilidade.
Metsavaht, aos poucos, passa a se dedicar a outras áreas além da moda. No ano passado, inaugurou o estúdio OM.art e o hotel Janeiro, ambos na capital fluminense. Na entrevista abaixo, ela fala sobre o novo luxo, sustentabilidade e a relação entre moda, arte e política.
O que você quer dizer com o “novo luxo é a estética da ética”?
Para mim, luxo não é exclusividade. Acho isso marqueteiro, mercadológico. Luxo não é brilho, não é status. A ética de um produto está em toda a cadeia por trás. Se ela é transparente, justa, se empodera, se cria qualidade de vida para as pessoas envolvidas e se há preocupação com os recursos naturais. A ética está também no design, em criar algo original. Considero esse novo luxo um valor do século 21. O luxo contemporâneo se encontra no equilíbrio entre qualidade, o esteticamente belo e uma origem sustentável social, ambiental e culturalmente.
Como você avalia o cenário da moda sustentável hoje, 20 anos depois de ter desenvolvido os fundamentos de sustentabilidade para a Osklen?
Percebo que nós, sociedade, e nós, designers, criadores, marcas, fizemos muito pouco nesses 20 anos. Só sabemos apontar e cobrar. “A indústria polui, a prefeitura não cuida”. Mas nós não mudamos nosso comportamento de consumo. Nossa decisão de compra ainda é baseada no símbolo de status e no tipo de consumo americano, que é comprar mais por menos. As indústrias, sim, mudaram, criaram práticas sustentáveis. Olha como hoje a gente tem materiais incríveis. E a Osklen e o Instituto-e fomentaram a indústria, com o desenvolvimento de PET reciclável, o algodão reciclável, o orgânico, tingimentos naturais. Aos poucos, as pessoas começam a entender a importância da cadeia.
Os millennials compreendem mais isso. Mas a palavra sustentabilidade está cansando. Quem é movido só pelo hype vai abandonar a ideia assim que outra tendência surgir. Por isso acho que sustentabilidade não tem que estar na imagem da marca, ela tem que fazer parte da sua cultura. É o que chamo de “as sustainable as possible as soon as possible” (“tão sustentável quanto possível o mais rápido possível”). A sustentabilidade é como a qualidade, ela tem que ser uma condição sine qua non (do latim, que significa "sem o qual não pode ser").
Democratização da moda é uma balela marqueteira para justificar uma escala que cria vários impactos sociais e ambientais".
OSKAR METSAVAHT
Fundador da Osklen
Você falou que luxo não é exclusividade. Mas os preços de algumas peças são inacessíveis para muitos brasileiros. Por que a moda sustentável é acessível para poucos?
Moda não tem que ser acessível para todo mundo porque não é a coisa mais importante. O que tem que ser acessível a outras classes socioeconômicas é educação, saúde, cultura. Democratização da moda é uma balela marqueteira para justificar uma escala enorme de roupas que criam uma pegada (ecológica) e vários impactos sociais e ambientais. Moda democrática é cópia ou tem, na sua cadeia, provavelmente, questões ilegais como de mão de obra injusta. Outra questão: materiais de origem sustentável são inovação. E inovação é caro. As marcas não compram porque é caro, e as pessoas não compram porque não compreendem o valor da sustentabilidade. Ganhando em escala, os preços baixariam.
Por que as pessoas não valorizam?
A pessoa percebe que não tem vantagem nenhuma. Uma t-shirt feita de algodão orgânico ou reciclável, que tem na sua cadeia um benefício para a sociedade, para o planeta, ali pendurada no seu guarda-roupa, não tem vantagem nenhuma pra você. E não tem diferença nenhuma, para o consumidor, daquela que foi feita com mão de obra escrava ou com um algodão que encheu de agrotóxico o lençol freático. Só tem diferença no preço e no valor ao longo da sua cadeia. Como não se valoriza a cadeia, a opção é comprar a mais barata. É cultural. Respondendo à tua outra pergunta, é caro porque inovação é caro, porque não tem escala e porque nós sociedade ainda não optamos por essa compra. É importante nós, marcas, imprensa, designers, educar e fornecer informação para as pessoas entenderem que esse é o novo luxo, é o novo cool.
O status de estar com uma peça sustentável é muito mais contemporâneo do que o status de estar com uma peça da marca X.
OSKAR METSAVAHT
Fundador da Osklen
A gente não paga mais caro por uma bolsa por causa da marca? Pela sua qualidade, design e status daquela marca? Por que não pagar por uma que tem a mesma qualidade, design original e é sustentável? O status de estar com uma peça sustentável é muito mais contemporâneo do que o status de estar com uma peça da marca X ou Y. Por que não incorporar no nosso desejo de compra a sustentabilidade? E isso só muda de cima pra baixo. É praticamente inviável criar produtos para classes de poder aquisitivo menor porque elas têm mais dificuldade de compreender essa importância por uma questão de educação. É, sim, elitizado. É diferente de escolher uma fruta orgânica porque é mais saudável para você. A escolha por uma peça de algodão orgânico é altruísta porque você sabe que o agricultor não está se contaminando, não está contaminando o lençol freático. É um novo valor. É muito pouca gente no planeta que tem essa compreensão e tem dinheiro para comprar, então realmente é um novo luxo. E tomara que vire um status. Porque aí vai se mudando o processo, que é lento. Quando incluímos as classes de baixa renda no nosso processo, empoderando-as, criando oportunidades para fazerem parte dessa cadeia da indústria da moda, estamos gerando renda para elas. Acho que estão confundindo o que a sociedade precisa. Não se trata de aumentar o consumo das classes de baixa renda, mas de melhorar a qualidade de vida delas.
O quão difícil é tornar a moda mais sustentável considerando o atual Ministério do Meio Ambiente, criticado por especialistas pelos retrocessos no combate ao desmatamento e na defesa de terras indígenas?
O que está acontecendo conosco aconteceu nos Estados Unidos e em vários lugares no mundo. Esse movimento de retrocesso existe porque a onda social, ambiental, inclusiva, colaborativa é tão grande que vem esse rebote. Mas não acho que ele vá conseguir parar essa onda. Porque a sociedade de consumo vai cobrar. Pode haver retrocessos ambientais, mas acho que, quando o consumidor chegar na loja e quiser entender a cadeia, cobrar, essas indústrias irão perceber que vão ter que mudar. Mesmo que a lei permita que elas façam determinadas ações, elas vão deixar de fazer. É uma visão otimista e romântica minha, mas eu já achava isso 20 anos atrás e a onda está avançando, apesar desses pesares.
Em que medida moda e arte se conectam para você? O que você encontrou na arte que não havia encontrado no processo de criação como designer?
No design, você tem um pensamento estratégico, na arte você tem liberdade. Na moda, tem um momento poético, artístico, que, depois, se transforma em inspiração para a criação de uma coleção. E aí começa a virar design. Transformar essas expressões emocionais em outra forma de manifestação que não exija estratégia, ou um resultado econômico, é de uma liberdade muito grande da qual eu precisava. E só me enriquece. Essa liberdade me deixa mais próximo de uma experiência criativa maior.
Você inaugurou uma galeria no ano passado, em um momento em que a arte vem sendo questionada por essa mesma onda conservadora sobre a qual comentamos antes. Um dos episódios recentes mais emblemáticos foi o do Queermuseu, aqui no Santander de Porto Alegre. Dedicar-se a arte é um ato político?
Não é uma galeria, é meu estúdio de arte independente do estúdio de design da Osklen. Agora estou terminando algumas obras para uma exposição que abre em 15 de junho no Museu de Arte Sacra de São Paulo. O espaço do estúdio eu abro, às vezes, para exposições de outros artistas ou coletivos de terceiros ou dos quais faço parte. Às vezes, estou como idealizador, outras como artista. Mas são exposições que se alinham à identidade do estúdio. Cada exposição faz parte do meu próprio processo criativo.
Agora, uma coisa que você falou é importante. O Rio está sofrendo uma ressaca após 20 anos de uma evolução da cidade, com Copa do Mundo, Olimpíada, expressão cultural bastante forte. Estamos economicamente fracos e politicamente desamparados. Mas a resistência cultural da cidade, do Brasil, está premente. O Rio nunca esteve tão forte e rico em movimentos culturais. É um contraponto a essa nuvem cinza, pesada que está surgindo. Mas ela não vai pairar na cidade e mesmo no País como pairou nos anos 1960. Existe uma resistência cultural muito forte. O meu estúdio, por exemplo, escolhi pintá-lo de um “verde floresta”, um “verde guerrilha”, porque, sim, é uma resistência.
Como surgiu a ideia de se dedicar à criação do hotel Janeiro e como ele dialoga com sua trajetória de estilista e artista?
Acontece de uma oportunidade. Um amigo que tinha hotel, o Marina All Suítes, queria mudar o conceito e me convidou para ajudá-lo a conceituar. Quando comecei a me envolver acabei dando mais do que dicas de amigo. Eu mergulhei no projeto e virei sócio. Que designer não gostaria de criar todo um conceito para um hotel? É como o seu primeiro apartamentinho, seu primeiro estúdio ou ateliê, que você quer mobiliar, decorar. Imagina um hotel. As pessoas me perguntam como faço tantas coisas. O que eu faço em todas elas é a mesma coisa: usar meus conceitos e visão de sustentabilidade, minha estética, meu estilo, meu espírito artístico. Não interessa a plataforma. Não sou hoteleiro, mas criei um nome, um conceito, o espírito do hotel. É a mesma coisa numa coleção, tem que ter propósito. Claro que só consigo fazer tendo uma equipe com talento, dedicada.