Matthew Schneier, The New York Times
Blanket, um persa de pelo longo cinzento, saiu de seu lugar favorito na mesa da sala de jantar quando cheguei, e desapareceu. Sua dona, Grace Coddington, diretora de criação da Vogue, deu de ombros e se acomodou em uma cadeira para discutir seu novo projeto: o primeiro perfume, exibido sobre a mesa, mais parecido com um moedor de pimenta rosa, o frasco longo com a tampa na forma da cabeça de um gato.
Grace é muito conhecida daqueles que fazem parte do ramo da moda – e, de fato, de muitos fora dele também, graças a uma participação no documentário de 2009, "September Issue", em que roubou a cena, e ao livro de memórias "Grace", que veio a seguir – como uma das forças motrizes da Vogue. Passou mais de 25 anos na revista, e foi responsável pelas sessões de fotos mais extravagantes. Tão longa foi sua carreira ali e seu reinado, tão inabalável, que o anúncio, feito em janeiro, de que abdicaria de sua posição integral para se tornar diretora de criação para projetos especiais, papel que a permitiria continuar com as fotos para a Vogue, mas também partir para projetos externos, caiu como uma verdadeira bomba. Não demorou a assinar um contrato com a nova agência, a Great Bowery, cuja missão é criar e buscar oportunidades inexploradas para as estrelas da moda e da arte que representa.
O perfume, Grace by Grace Coddington, é sua primeira iniciativa nesse aspecto, embora ela tenha começando antes das mudanças assumidas por sua criadora. O aroma principal é o de rosas, que Grace associa à infância e agora pode acompanhá-la na terceira idade. Ela tem 75 anos.
— As rosas são uma tradição de família — explica.
Está sendo produzido pelo setor de perfumaria do império Comme des Garçons, cujo perfumista principal, Christian Astuguevieille, desenvolveu a essência com a própria Grace e a encorajou a borrifá-la no cabelo. Assim, ela se movimenta em um difusor natural, uma nuvem de cabelo crespo cor de cobre.
A Comme des Garçons Parfums já ficou famosa por criar parcerias com ícones extravagantes e instituições inesperadas antes, inclusive com Pharrell Williams, Daphne Guinness, as Galerias Serpentine e Artek, empresa de design fundada por Alvar Aalto. Segundo o presidente da marca, Adrian Joffe, em e-mail enviado de Tóquio, "Grace foi convidada a participar por ser considerada uma verdadeira visionária".
E o fato dessa visão se concentrar em um gato não é surpresa para ninguém que acompanha sua carreira.
— Sou obcecada por gatos a ponto de ser chata — admite, impassível.
Os persas foram ilustrados em um dos livros de Grace ("The Catwalk Cats"), apareceram em uma de suas parcerias (a série limitada de bolsas Balenciaga de 2012) e volta e meia estão em suas sessões editoriais.
— Já criei frascos de todos os tipos, mas em forma de gato é a primeira vez — confessa o amigo Fabien Baron, cuja empresa, a Baron & Baron, é responsável pelo formato do vidro de perfume de Grace.
Não é, entretanto, o primeiro frasco de inspiração felina da história, pois algumas das embalagens da linha de Katy Perry têm esse formato.
— Isso me deixou chateada. O da Katy é sensual e bem glamuroso. Este aqui é... espero que seja refinado — comenta Grace, apesar de os dois vidros serem de linhas bem diferentes.
O mercado de perfumes, de fato, é mais comum a celebridades como Katy Perry (que já lançou vários) ou Paris Hilton (que já tem mis de uma dúzia). Grace confessa se sentir tímida com a perspectiva de se vender dessa forma.
— A primeira coisa que me veio à mente foi: 'Mas eu não sou J. Lo, como é que pode dar certo?'. Não sou uma celebridade; foi por acaso que meu nome se tornou conhecido. Vivo negando, mas é verdade. E já que é assim, então, bom, por que não ganhar com isso? — conta ela a respeito da fragrância, sugerida por uma amiga e ex-colega de trabalho.
A novidade estará disponível em dois tamanhos: o de 50 ml, por US$110, e o de 100 ml, por US$145. Depois do lançamento, em 19 de abril, será vendido não só na Dover Street Market New York, a loja conceitual multimarcas da Comme des Garçons (e nas filiais de Tóquio, Londres e Pequim a seguir), mas também no em seu novo site – o que é uma façanha para a mulher que orgulhosamente alega não saber como usar um computador.
— Este é o meu computador — brinca, mostrando a assistente, Lauren Bellamy, sentada no sofá ali perto.
Grace é uma ludista orgulhosa, a última representante de uma geração que fazia esboços durante os desfiles em vez de apelar para o Instagram e prefere o telefone ao e-mail. O toque de seu celular é o granar de um pato.
— Não tem quem não reclame, mas só assim para eu ouvir — explica.
O que não significa que seja insensível às mudanças que estão ocorrendo na indústria da moda, mencionando seu ritmo cada vez mais intenso como uma das razões por ter deixado a posição em tempo integral na Vogue.
— Há tantos estilistas! Talvez até demais. Com certeza, desfiles em excesso. Não consigo ver para onde a coisa está indo – para os sites, certo? Como não sei lidar com eles, imagino que, em breve, não terei mais revistas para olhar.
E prossegue: "Será que os desfiles continuarão a existir? Não sei. Parece que é uma atividade fadada à extinção."
Com ou sem mudanças, seu telefone continua grasnando e os convites não param de chegar, inclusive o do projeto atual de adaptar seu livro de memórias para a telona. Ela quer que se concentre em sua juventude no País de Gales, e não no período posterior, já como profissional de moda.
— Não quero fazer ou "O Diabo Veste Prada", nem "The September Issue" porque além de já terem sido realizados, foram muito bem feitos.
Até o filme chegar aos cinemas, os gatos – Blanket e o companheiro, Pumpkin – continuam sendo os astros do desfile de Grace, embora não pareçam muito chegados em perfume.
— É bem provável que prefiram correr um quilômetro a ter que cheirá-lo — brinca.
Porém, ao fim da entrevista, que durou uma hora, Blanket já meio que ameaçava voltar para a mesa. E até chegou perto do frasco – mas o barulho da máquina fotográfica o assustou e se recusou terminantemente a ser clicado ao seu lado.