Platinada, fashionista e pilotando uma Harley-Davidson: Julia Lemmertz voltou à TV nesta semana na pele de uma empresária poderosa e cheia de estilo. Em Quanto Mais Vida, Melhor!, novela das sete da Globo que estreou na última segunda-feira (22), a atriz interpreta Carmem, dona de uma marca de cosméticos e principal rival de Paula (Giovanna Antonelli) nos negócios e na vida.
Julia conversou com Donna, por telefone, e revelou que curtiu o cabelo loiro curtíssimo e está prestes a tirar a habilitação de moto, mas as semelhanças com a personagem param por aí. A gaúcha de 58 anos é bem mais despojada ao se vestir e acredita que as colegas de trabalho podem se tornar parceiras de vida.
— Precisamos resgatar o senso de comunidade, isso veio forte na pandemia. É um momento de ouro para revisarmos preconceitos e coisas arraigadas na gente e que fazem todo mundo sofrer — avalia.
A artista passou boa parte da pandemia reclusa em um sítio na divisa entre o Rio e São Paulo com a família. Julia é mãe da atriz Luiza e do rapper Miguel – assim como ela seguiu o caminho dos pais, os gaúchos Lilian Lemmertz e Lineu Dias, seus filhos também se renderam à veia artística.
— Dizem que mangueira não dá laranja (risos) — brinca.
Colorada fanática, Julia nasceu em Porto Alegre e é apaixonada pelo Rio Grande do Sul. Tios e primos seguem morando no Estado, e a atriz já trouxe o único neto, Martin, filho de Luiza, para conhecer os parentes distantes.
A última vez em que Julia esteve por aqui foi em 2019, antes da pandemia, quando estava em cartaz com a peça Simples Assim, baseada em crônicas de Martha Medeiros. E a conexão com sua terra natal não para por aí: em julho, também estreou nos cinemas o filme Música para Quando as Luzes se Apagam, do diretor Ismael Caneppele, rodado no Vale do Taquari.
A seguir, confira um bate-papo com a atriz sobre o privilégio de trabalhar ao lado de amigas de longa data, as delícias de ser avó e os planos de retornar ao Estado.
A Carmem é estilosa e há uma semelhança com a Miranda, personagem da Meryl Streep no filme O Diabo Veste Prada. Foi uma inspiração?
Quando começamos um trabalho, buscamos referências. Sobre a Meryl, a indicação veio um pouco do Mauro Wilson (criador e roteirista) e do próprio Allan (Fiterman, diretor artístico), que buscavam esse lugar de lidar com moda, de ser uma mulher poderosa, que tem esse jeito frio, é meio superior a tudo. A Carmem até tem isso tudo, mas tem um lado explosivo, menos cool. Ela vai com a Meryl até uma página, depois, se transforma em outra coisa (risos). E a Carmem é um desfile de moda. A Giovanna (Antonelli) passava a novela dizendo que queria as roupas da Carmem (risos). E é impossível ficar com esse cabelo impunemente, acabei me arrumando um pouco mais talvez. Senti que o meu jeito mais despojado não combinava com o meu cabelo.
Gostou da versão platinada? Vai manter daqui para frente mesmo com o fim gravações?
O cabelo eu mesma sugeri. Gosto muito da Tilda Swinton, atriz inglesa que estava com esse corte de cabelo há um tempo. Imaginei a Carmem nessa figura um pouco andrógina, feminina, masculina, contemporânea. Ela anda de moto, se veste com roupas de couro, achei que o cabelo casava. Descolori, raspei a nuca, é um trampo esse cabelo (risos). Passei o ano me assustando toda vez que me via no espelho. Me gostei assim, talvez não continue com ele só tão raspado nas laterais. Um cabelo descolorido pode ser o fim do cabelo, né. No meu caso, não foi, meus fios estão saudáveis. Estou conseguindo colocar os brancos junto do loiro. Talvez eu fique assim até ficar com a cabeça toda branca (risos).
Como foi aprender a andar de moto para a novela?
Foi louco, decidi tirar carteira de moto para a novela. Mas ainda não consegui tirar, pararam as aulas na pandemia, tinha as gravações, enfim. Aprendi a andar de moto numa 125, e a minha moto da novela era uma Harley-Davidson. É como se a gente aprendesse a pilotar um teco teco e fosse dirigir um boeing. Não tinha coragem (risos). Tenho um dublê, a moto era um adereço. Agora vou ter uma carteira que nem sei se vou usar, talvez tenha uma vespa um dia.
Você e a Giovanna interpretam rivais. Fora das telas, acredita que a rivalidade feminina ainda é forte?
Para mim, isso nunca foi uma questão. Sei que existe, mas nunca fui rival de amigas ou de pessoas com quem trabalhei. A Paula e a Carmem são rivais não só porque são mulheres. Elas são donas de empresa, de seus narizes. A Carmem compete com qualquer um, está no DNA. Mas acho extraordinário estarmos desconstruindo essa questão da rivalidade feminina finalmente. Existe, precisa ser desconstruído, assim como uma porrada de outras coisas na sociedade que afastam as pessoas. Estamos nos dando conta de que é hora de desconstruir essas barreiras, essa competição.
Ao longo de sua carreira, você fez amizades no trabalho que levou para a vida? Você e a Giovanna são amigas fora do set?
Giovanna e eu já tínhamos trabalhado juntas antes na novela Em Família (2014), ela fazia a minha irmã. E fazemos aniversário no mesmo dia, 18 de março, sempre combinamos de fazer algo juntas. Tenho uma admiração enorme por ela. É uma mulher incrível, para cima, agrega as pessoas. Considero a Giovanna uma grande amiga de trabalho. A Ana Beatriz Nogueira é minha amiga do início de carreira, da vida inteira. A cada trabalho, faço amizades. Agora, fiquei encantada com a Bárbara Colen, que faz essa novela, por exemplo. Carol Marra, uma mulher maravilhosa, ficamos amigas e vamos seguir assim. A amizade, a empatia, podemos ter em diferentes frentes. Reencontrei amigas nessa novela também, como a Ana Lúcia Torre, a Jussara Freire.
Você é gaúcha e sempre fala da importância que o RS tem na sua vida. Quais lembranças o Sul desperta em você?
Fora meus filhos e meu neto, que estão aqui no Rio, minha família toda está basicamente em Porto Alegre. Minha melhor amiga mora aí no Sul, a Luciane Lanção, é minha irmã da vida toda. Meus primos, tios, tias, os irmãos do meu pai e da minha mãe. Sempre tento ir uma vez por ano, pelo menos. Sou muito gaúcha na essência, na raiz. Toda a minha infância e adolescência passei no Sul, indo com meus tios para Capão da Canoa ou Gramado. Meus filhos adoram ir para aí, e o Miguel é carioca e colorado doente. Os amigos nunca entenderam (risos). Ele até tentou ter outro time aqui no Rio, mas não rolou. A minha mãe sempre deixou eu ir criança para Porto Alegre ficar na casa da minha avó, bem pequena, e ela viajava com meu pai para fazer teatro pelo Brasil. Minha casa é um pouco no Sul. Até achei que moraria aí para fazer faculdade, mas a vida tomou outro rumo. Sempre que vou para Porto Alegre fico pensando em como gostaria de ter um lugarzinho aí, me aposentar e ficar (risos). Tenho muito carinho e amor pelo Sul, pelas pessoas, pela minha família. Toda vez que vou, parece que o tempo não passou. Apesar de não ter morado aí de fato, já que morei mais em SP e no RJ do que aí, tenho ótimas lembranças.
Você é filha de artistas e, hoje, seus filhos também seguem a carreira artística. Sente orgulho de vê-los trilhando esse caminho?
Dizem que mangueira não dá laranja (risos). A Luiza ainda tentou fazer Desenho Industrial, depois mudou para Filosofia e, quando vi, estava em Artes Cênicas e, depois, fazendo teatro. Já o Miguel foi para o lado da poesia, da escrita, da música, ele canta rap, está no mundo do hip hop. E, ao mesmo tempo, faz faculdade de Jornalismo. É a vida deles, e torço para que se realizem e sejam felizes. Ser artista é uma batalha em qualquer país e em qualquer circunstância. Mas é uma vocação também, tem que insistir, trilhar o seu caminho. O sucesso, ou atingir algo, é a consequência de um processo. E tem muito perrengue.
Tornar-se avó foi transformador?
O Martin fez cinco anos no dia 15. Quando ele nasceu, fiquei tão impactada que achei que não ia aguentar, foi muito forte. Muita gente diz que neto é melhor que filho e, não, não é. É diferente. Se não fosse a Luiza, o Martin não existiria. Então, é a partir do filho. É um amor dobrado, e, ao mesmo tempo, é seu filho, mas não é, é de outra natureza. Sou alucinada por ele. O Martin é uma luz. Ele já foi a Porto Alegre comigo. E ganhou a camiseta do Colorado do tio Miguel.
Você encara a proximidade dos 60 anos como um marco?
Há 30 anos, não pensava na maturidade. A gente não fica pensando nisso, vamos vivendo como se não houvesse amanhã. Minha mãe morreu muito cedo, ia fazer 49 anos. Quando cheguei aos 48, pensei: olha a quantidade de coisa que quero e tenho para fazer, como poderia ir embora agora? Quando a minha mãe morreu, eu tinha 23 anos, não tinha noção dessa idade, do tempo. Sabia que ela tinha morrido cedo, mas não era tanto. Quando fiz 48, realmente me dei conta do absurdo que foi, de que a vida ainda tinha muito para dar. Estou sempre cheia de ânimo nesse sentido. O passar do tempo é o processo, a outra opção é não estar aqui, o que não é bom. Então, está tudo certo. Vou fazer 60 e me espanto. Há um peso, como teve os 50, os 40, vai ficando mais pesado, óbvio (risos). Não posso ser avó, ter meus filhos com 34, 21 anos, impunemente. O tempo passou. Preciso ter ruga, me permitir estar cansada. Sempre fui acelerada, e às vezes me pego dizendo "ok, você pode estar cansada, ter um ritmo diferente hoje". Estou tentando me adequar aos ritmos, ouvir o meu corpo, não quero ser jovem, quero ser saudável, ter saúde para brincar com meu neto, ter gás para ficar com ele. Isso que me interessa. Ninguém se espanta de um homem fazer 60 anos. Por que se espantam de uma mulher fazer 60? É a vida, vai passar para todo mundo.
Antes da pandemia, você estava em cartaz com a peça Simples Assim, baseada em textos da Martha Medeiros. Pensa em mais parcerias com ela? Como é a relação de vocês?
Sempre fui fã da Martha, li tudo dela, as crônicas e os livros. Ela é extraordinária, e o mais lindo é que ela é uma cronista do nosso tempo. Podemos ver o que aconteceu lendo as observações dela sobre os momentos, a vida, as mulheres, as relações. A gente sempre falava de se encontrar, fazer algo juntas, e daí veio o convite para Simples Assim. São crônicas de dois livros da Martha adaptados por ela e pela Rosane Lima para o teatro, e foi um encontro muito bacana. Uma forma de falar sobre um período da vida de uma forma divertida, emocionante e sensível, que é essa conectividade, cada um com seu celular, com suas questões, do tempo que perdemos curtindo, mandando mensagem quando, na verdade, a vida está passando e nós deixamos de se relacionar com os outros. Deixamos de olhar para o lado, estar presente na nossa vida. Quando a peça parou, e o mundo virou de cabeça para baixo, fiquei pensando se um dia a Martha e eu não faremos uma peça falando desse outro momento depois de tudo que vivemos. Ainda temos uma conexão, nos falamos, ela vem ao Rio, almoçamos juntas. Admiro muito ela, um carinho enorme.
Para você, 2021 foi um ano de retomada? E o que espera de 2022?
Estamos num momento muito difícil ainda. Quando começa a melhorar, achamos que já passou, mas a pandemia está aí ainda, requer cuidados, paciência, solidariedade e generosidade para as pessoas que estão desempregadas e passando perrengues. Na minha seara, na área da cultura, estamos ferrados. Se eu não estivesse fazendo novela, por exemplo, seria grave, estaria sem teatro, projetos de cinema parados. Estamos numa crise política, ética, moral, econômica, a crise é em todos os setores. Não vamos acabar com a pandemia se não estivermos com a maior parte da população vacinada. É um momento difícil de não se indignar. Vejo com otimismo em um certo sentido porque é um processo de transformação profundo, vamos chegar a algum lugar. Essa reconstrução depende de todo mundo, essa é a grande lição que estamos tendo nessa pandemia. Precisamos estar juntos, cuidar do outro. Tenho um filme para lançar, do Marcos Bernstein, que se chama Terapia de Vingança, mas ainda não tem data de estreia. Têm algumas coisas pintando, menos de cinema, mais de série. Teatro tem várias coisas que quero fazer. E quero dar um pulo a Porto Alegre para ver a minha família.