Multiplicar o exemplo e as histórias de mulheres que fazem diferença. Foi com esse propósito que nasceu, no ano passado, o Prêmio Donna Mulheres que Inspiram, que agora chega à sua segunda edição. Convocamos cerca de 100 profissionais de diferentes áreas como cultura, ciência, moda, economia e ação social, além de jornalistas e colunistas do Grupo RBS, para que indicassem mulheres que fazem a diferença e que são inspiradoras.
O resultado foi uma lista com 10 nomes em diferentes áreas de atuação. Nesta noite de segunda-feira (20), em evento realizado na Casa Destemperados, em Porto Alegre, foram anunciadas as três vencedoras: conheça aqui as histórias de Babi Souza, Marli Medeiros e Patrícia Palermo. Neste fim de semana, dias 25 e 26, você lê as reportagens completas com estas três mulheres cujos trabalhos tocaram muita gente.
Babi Souza
A ideia veio para Babi Souza, em meados de 2015, em uma situação familiar a qualquer mulher: a de estar em um ônibus à noite e sentir medo de descer sozinha. Ao deparar na parada seguinte com algumas mulheres que estavam no ônibus, veio o insight de uma campanha estimulando mulheres a convidar umas às outras para circular juntas.
– Pedi para uma colega em uma agência de publicidade que fizesse uma arte com a seguinte frase: “Já andou sozinha na rua e se sentiu em risco? A menina do seu lado também. #MovimentoVamosJuntas”. Postei no meu perfil no Facebook e bombou muito. Aí, ela mesma disse: Babi, cria uma página agora!
Em 24 horas, a página Vamos Juntas? teve 5 mil curtidas. Em duas semanas e meia, eram 100 mil curtidas. Hoje, são mais de 448 mil. Porém, esta foi apenas a primeira ideia. O movimento promoveu dezenas de outras iniciativas sob o conceito de sororidade, a irmandade entre mulheres. Para este Carnaval, por exemplo, a página fez um ensaio mostrando o que é uma abordagem aceitável e o que deve ser considerado assédio.
As mais de cem mensagens diárias para a página obrigaram Babi a deixar a agência. Hoje, simultaneamente ao Vamos Juntas? ela toca a Bertha Comunicação, que impulsiona negócios geridos por mulheres no meio digital. O movimento já rendeu um livro – Vamos Juntas? O Guia da Sororidade para Todas (Record Galera, 2016).
Na noite de segunda-feira, Babi se emocionou ao ser chamada para receber o prêmio:
– Queria dizer que eu sinto que ainda que meu trabalho seja muito bonito, é também muito difícil, pois há muitas mulheres com histórias inspiradoras, mas há outras que não tiveram essa sorte. Recebo mensagens de muitas mulheres que passaram por muitos tipos de violência. O feminismo não é uma ideia radical, e sim a proposta de que as mulheres possam ser o que elas querem ser – disse Babi.
Marli Medeiros
Com o Ensino Fundamental e três filhos debaixo do braço, Marli Medeiros saiu do Alegrete rumo a Porto Alegre em 1975 para ela e o marido trabalharem como zeladores no Bom Fim. Não demorou para Marli transformar o lugar em casa de passagem e, um a um, trazer os parentes da fronteira para a Vila Pinto, que passava por um programa de habitação popular na década de 1980.
– As mulheres me diziam: “Isso aqui é uma ‘desgraceira’, não tem água, não tem rua, só tem bandido”. Eu só via que eu tinha chegado do Centro à vila em 25 minutos. Uma oportunidade espetacular. Era como se aquelas mulheres encarassem morar ali como uma punição merecida por terem dado errado na vida. Eu dizia: “Bem, se vocês merecem morar mal, os filhos de vocês não merecem” – conta Marli, que se tornaria instintivamente uma líder comunitária.
Por anos, comandou reuniões semanais entre mulheres que eram fiscalizadas de perto por traficantes. A estratégia para afastá-los era falar sobre temas como menstruação ou “placenta colada” até que saíssem constrangidos. Só então temas como violência doméstica vinham à tona. A grande oportunidade para a comunidade viria depois de Marli realizar um curso da ONG Themis, que fez dela promotora legal popular.
– Mandei fazer um cartaz bem grande para colocar na frente da minha casa e todo mundo ver: "Parabéns, Marli, nossa promotora legal popular" – contou, divertida, no evento que a anunciou como uma das três vencedoras.
O cargo a colocou em um ônibus com as 30 grandes pensadoras da questão da mulher no Brasil para um encontro na Argentina, em 1995. Na volta, elas surpreenderam o então prefeito com o projeto do Centro de Educação Ambiental da Vila Pinto, pioneiro na questão da reciclagem como alternativa de renda, e uma obstinada Marli para fazê-lo tirar do papel antes das eleições do ano seguinte.
– Preciso procurar a felicidade sempre e todos os dias porque lido com muitas pessoas tristes. Levei para pessoas que se consideravam o lixo da sociedade a possibilidade de ver valor no lixo, a possibilidade de se reinventarem no mundo – disse no evento do Prêmio Donna.
Patrícia Palermo
Perguntamos à economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo, como teve êxito em uma profissão, em que, nos cálculos dela própria, “contam-se nos dedos as mulheres de referência e é capaz de não encher as mãos”. Em resposta, ela menciona a sua capacidade de se fazer entender:
– Em toda a minha carreira, tentei colocar em prática a convicção de que pensamentos sofisticados não precisam de palavras rebuscadas. E isso tem a ver também com a escolha da minha profissão. Quis fazer economia porque acredito que as pessoas têm o direito de entender o mundo em que elas vivem.
Nascida e criada em Porto Alegre, Patrícia é da primeira geração de sua família a entrar em uma universidade. Aos 18 anos, encantada com o conteúdo de uma palestra com um economista da ONU sobre pobreza, ela tomou a decisão de trocar a Farmácia pelas Ciências Econômicas da UFRGS em uma corrida de ônibus até o Campus do Vale. Acertou tanto na escolha que já era doutora antes dos 30.
– Nesse meio-tempo, encontrei o amor da minha vida aos 21 e tive uma filha antes dos 30. Só que fui tão precoce que tive um câncer aos 35 – brinca Patrícia.
Não bastasse a dura tarefa de analisar o cenário brasileiro de crise econômica profunda desde 2014, Patrícia conciliou o trabalho na Fecomércio com um tratamento agressivo contra o câncer de mama que se estendeu até janeiro passado. Se orgulha, todavia, de jamais ter se afastado do trabalho.
– Houve dias em que dei aula pela manhã, fiz seis horas de quimioterapia durante a tarde, descansava um pouco e à noite dava aula de novo, nem que fosse sentada – conta a economista, que também é professora universitária da ESPM, da Faculdade São Francisco de Assis, da pós-graduação da UniRitter e em cursos da Perestroika.
Patrícia estava com a filha Vitória, seis anos, na cerimônia do Prêmio Donna. Contou que a pequena refere-se às cicatrizes de Patrícia com orguho, pois diz que a mãe "é uma guerreira que passou por muitas batalhas".
– Muitas vezes minhas alunas e alunos perguntavam para mim o que faz uma carreira dar certo. Sempre respondi que uma carreira se baseava em dois pilares. Um é o conhecimento: não tem como dar certo se a gente não domina a arte do que a gente faz, e também tem que ter empenho. E um dia, depois da minha doença, descobri que precisava de um tripé: é a coragem que faz a gente levantar de manhã – declarou Patrícia ao receber o prêmio.