Paula teve sua inspiradora história de vida contada em reportagem de capa da revista Donna em março de 2013 (Diego Vara/Agência RBS)
Sentada no saguão do Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio, Paula Pfeifer mexia no celular quando ouviu a voz que chamava pelo alto-falante. Chegara a hora de os passageiros do voo para Porto Alegre dirigirem-se ao portão de embarque. Ao compreender a mensagem curta e direta, enquanto juntava suas coisas e guardava o telefone, Paula teve o que ela mesma chama de epifania. Em outros tempos, não estaria navegando na internet. Como não poderia ouvir o recado dado pela voz metalizada do alto-falante, ficaria constantemente tensa, ligada nos painéis que indicam o status dos voos. Mas agora, não. Surda oralizada, Paula saiu do mundo do silêncio em setembro de 2013, por meio de um bem-sucedido implante coclear.
A historieta do aeroporto teve tanto significado para Paula que ela escolheu o relato deste momento para abrir seu segundo livro, Novas Crônicas da Surdez - Epifanias do Implante Coclear, que será lançado sia 29 de abril, em uma sessão de autógrafos na Livraria Travessa, no bairro carioca do Leblon. A obra, composta por 18 crônicas e textos adicionais sobre questões técnicas envolvendo o implante, é resultado de uma mudança radical na vida desta gaúcha de 32 anos, nascida em Santa Maria. De quase totalmente surda, escutando somente os sons distorcidos e confusos amplificados pelo aparelho auditivo, ela voltou a ouvir o mundo em sua totalidade. Ruídos, músicas, telefone, buzinas de carros, o recado do aeroporto. Tudo, enfim, tornou-se uma vida nova. Reaprender a vivê-la, em sua plenitude, com dores e felicidades, é a temática deste livro sensível e otimista.
Mas por que o implante teve um efeito tão devastador? Melhor começar a história pelo começo. Ainda criança, Paula e a família começaram a perceber a dificuldade auditiva dela. Os médicos, porém, julgaram ser um problema de menor importância. Até que a chegada à adolescência exigiu uma resposta. E ela veio aos 16 anos: deficiência auditiva bilateral neurossensorial progressiva. O que isso queria dizer? Que o pouco que ela escutava se tornaria menos ainda com o passar dos anos, até chegar o dia em que ela não ouviria mais nada. Depois de muito resistir, aceitou usar o aparelho auditivo – e fez dele seu melhor companheiro. Após aceitar a deficiência, Paula usou a autoestima a seu favor e transformou o aparelho em mais um acessório. Com seu jeito positivo e bem-humorado, incentivava outros portadores de deficiência auditiva a usar o equipamento – e não ter vergonha dele. Enquanto esforçava-se para compreender a limitação e aprender a conviver com ela, foi se tornando, aos poucos, uma espécie de conselheira.
Apaixonada por beleza, moda e maquiagem, criou, em 2007, o blog Sweetest Person, no qual fala de cosméticos, viagens e tendências. Tomou gosto pela comunicação na internet e, em 2010, criou um novo blog, Crônicas da Surdez, este para contar a rotina, as agruras e os desafios que enfrentava como deficiente auditiva. Daí nasceu seu primeiro livro, batizado com o mesmo nome do blog. A obra foi lançada no início de 2013, mesma época em que Donna fez uma extensa reportagem de capa contando a história de Paula.
Mas e o implante, onde entra? Entra alguns meses depois do lançamento do primeiro livro, quando a possibilidade de se submeter à cirurgia já estava sendo discutida. Por meio de eletrodos implantados na cóclea (região do ouvido responsável por receber os sons), as ondas sonoras exteriores são captadas e mandadas diretamente para o cérebro, onde são decodificadas. O resultado, quando o implante é bem-sucedido, é o retorno da audição - exatamente o que aconteceu com Paula.
– Foi uma mudança muito radical. Passei 15, 20 anos me educando para ser deficiente e, de repente, passei a ouvir. Tive que me acostumar com isso – relata.
A adaptação surpreendentemente boa (e rápida) ao implante foi como uma avalanche na vida de Paula. Habituada a não escutar quase nada, mesmo com o aparelho, e a precisar fazer leitura labial para conversar com as pessoas, ela foi bombardeada por sons de todos os tipos.
– Às vezes retiro o aparelho para curtir o silêncio. Ouvir é bom demais, mas ficar em silêncio também.
A mudança nos sentidos não veio sozinha. Funcionária pública em Santa Maria, Paula conheceu, em função dos relatos da sua experiência no blog, um médico carioca especializado em implante coclear. Conversa foi, conversa veio, os dois se apaixonaram, se casaram e, desde dezembro do ano passado, ela vive no Rio de Janeiro, trabalhando na divulgação do novo livro e participando ativamente do debate em torno das questões que envolvem a sua deficiência e o implante coclear. Também ajuda o marido na clínica, com os pacientes que precisam de um apoio informal para lidarem com o problema.
– Para mim, a surdez foi uma espécie de morte. E o implante, um renascimento. Hoje tenho uma vida normal, só não passo em porta de banco. Mas posso ouvir passarinhos, falar no telefone, ouvir o mar. E isso é muito bom.
NOVAS CRÔNICAS DA SURDEZ - EPIFANIAS DO IMPLANTE COCLEAR
De Paula Pfeifer
Editora Plexus
152 páginas
R$ 43,90 (em média)