Cinco anos atrás, numa longa viagem de trem de Ulan Bator, Mongólia, até Pequim, Kat O'Sullivan e Mason Brown levaram um bloco de notas e fizeram uma lista de todas as coisas que uma casa dos sonhos deveria ter.
De volta a Nova York, Kat, 38 anos - artista que faz blusas coloridas de retalhos a partir de suéteres que encontra em lojas populares e depois as vende pelo site de comércio eletrônico Etsy - e Brown, 38 anos - que trabalha meio período numa editora e toca numa banda - sacaram a lista e leram os itens idealizados.
Sala com luz negra. Mapa do chão ao teto. Videiras crescendo dentro de casa. Tartaruga de estimação do lado de fora. Vitrola. Tenda de circo: duas. A lista de desejos, de várias páginas e tremendamente caprichosa, também especificava uma cópia do dicionário inglês Oxford em um pedestal, um buraco de minigolfe, tapete de lã grega, vários balanços, incluindo um na varanda, badulaques do Tarzan, móveis esculpidos com pés de animais, espelhos dourados, uma mesa de banquete grande, um aquário e uma passagem secreta.
Foto: Randy Harris / New York Times
Kat momentaneamente para em uma das entradas. Seu rosto, emoldurado por dreadlocks loiros amarrados com um lenço vermelho, fica momentaneamente sombrio.
- Uma lavadora e secadora, coisas tão simples, ainda estão faltando - ela acrescenta com um suspiro sobre a casa em que agora moram.
Criatividade de materiais para decorar o casarão
Que tipo de casa tem duas tendas de circo e videiras crescendo no interior, mas não conta com eletrodomésticos para lavar roupas? É a Calico, casa necessitando de reparos em Catskills que Kat e Brown compraram por pouco mais de 200 mil dólares e a qual passaram os últimos cinco anos transformando neste recanto, resposta ao que ela chama de "trauma" de viver num apartamento no Brooklyn enquanto sofria para ganhar a vida como artista na cidade.
Foto: Randy Harris / New York Times
Os quartos refletem o uso criativo de materiais e cores. O balcão da cozinha é revestido não com azulejos nem granito, mas com moedas. Gaveteiros modulares da década de 1970, que guardam material de costura, são pintados com o amarelo vivo do ícone pop de rosto sorridente. Um santuário foi construído para abrigar uma torradeira de 200 dólares - o único luxo yuppie confesso de Kat.
No andar de baixo, há um quarto com curioso teto abobadado, um salão de baile miniatura onde o casal dá festas com fumaça de gelo seco e laser, uma clareira no bosque onde realizaram dois casamentos e um segundo terreno descendo a rua no qual existe uma piscina.
Foto: Randy Harris / New York Times
Viver sem ostentação era a meta
- É legal virar o acampamento ou a pensão de todos os nossos amigos duros - diz Kat.
A casa fica num terreno de seis hectares, em meio a uma floresta, ao lado de uma estrada vicinal de duas pistas, mas não tem como errar. A parte externa foi pintada com todas as cores do arco-íris, com faixas verticais e horizontais. Uma publicação local de Nova York batizou o estilo do casal de "renascimento da terra dos doces".
- Gastamos mil dólares somente em tintas. Quando saí da loja, os funcionários fizeram fila e aplaudiram - recorda Kat.
Em 2009, o casal rachava um loft no Brooklyn com quatro outros amigos. Como artistas batalhadores em um mercado imobiliário punitivo, perceberam que terminariam expulsos para as áreas mais distantes da cidade. O casal havia acabado de visitar a Mongólia e, como muitos habitantes urbanos que fazem um exame de consciência, eles se convenceram de que haviam achado uma solução. Em uma palavra: iurte (abrigo subterrâneo ocupado por povos nômades de regiões como árticas ou no centro da Ásia).
Foto: Randy Harris / New York Times
- Eles foram lindamente projetados para uma vida simples e confortável. A gente ficou pensando que deveria comprar um terreno - conta Kat.
Brown completou a sentença:
- Só precisávamos de alguns acres.
Eles fizeram um círculo num mapa, concordando em procurar em qualquer lugar a duas horas de distância da cidade. Terminaram em Cottekill por acaso. Um cliente de Kat no Etsy perdera uma luva e pedira que outra fosse feita. A cliente morava na vizinha High Falls, em Nova York. Kat curtiu o nome e promoveu uma viagem exploratória.
Reforma levou cinco anos
A casa que melhor se encaixou nos planos e orçamento limitado do casal era de um branco remendado por fora, sombria por dentro, com os pisos cobertos por sete camadas de linóleo sujo. A proprietária, que viveu ali por 60 anos, estava entrincheirada num canto da cozinha. O lugar era um desastre oficial: uma organização local que dá auxílio financeiro para suplementar a hipoteca de compradores de primeira viagem rejeitou Kat e Brown depois que seu corretor considerou que não valia a pena reformar a casa. O julgamento não os dissuadiu.
Foto: Randy Harris / New York Times
- Ainda éramos muito ingênuos naquela época - avaliou a revendedora de roupas.
Brown lembrou-se do seu pensamento positivo, num tom que parecia estar zombando de si mesmo:
- Eu sei bater um martelo. Vamos lá, isso tudo começou com um iurte. A casa é um bônus.
Passaram a residir ali naquele outubro, antes da chegada do inverno. Em vez de isolamento térmico adequado, encontraram jornais velhos enfiados dentro das paredes.
- Mas o New York Times de 1931 não tem um poder isolante muito alto - brinca Kat.
Em meio às trevas, havia um aspecto brilhante. As blusas de Kat começaram a vender. Tudo que ela fazia e colocava online no Etsy encontrava comprador.
- Digo que é uma casa construída com suéteres. Se não fosse por eles, ainda estaríamos numa barraca na sala de estar. Teríamos definhado até morrer dois invernos atrás.
Ela costurou furiosamente durante os anos seguintes, destinando os lucros para a reforma dos sistemas elétricos e hidráulicos, além de construir versões para o alicerce, poço, fossa séptica e telhado.
A abordagem da reforma e da decoração da casa consistiu em cobrir tetos e paredes com sedas e tecidos de cores vibrantes comprados na Índia e em outros países visitados pelo casal.
Outra técnica empregada é formar uma coleção de algo demodê ou fora de moda e forrar uma parede, como ela fez com máscaras de papel machê compradas no Equador.
Foto: Randy Harris / New York Times
Quanto a Brown, ele reservou um quarto para criar uma biblioteca masculina vitoriana. O cômodo contém globos antigos e dois itens da lista de desejo: uma vitrola (do avô) e um compartimento secreto (atrás das estantes de livros que vão do chão ao teto).
Surpreendentemente, o dormitório do casal no andar superior, batizado de sala celestial, é gracioso e minimalista como um estúdio de ioga. Uma ou outra planta e a vista da janela para o lago são as únicas distrações visuais.
- Tento nem trazer computador aqui. É a minha fuga - diz a artista.
*Steven Kurutz / The New York Times News Service / Syndicate