A cena é familiar. Onde tem obra ou reforma, tem caçamba de entulho na rua. Para uns, algo invisível só percebido quando atrapalha o trânsito. Já tem quem considere as caçambas um parque de diversões. Maurício Arruda é um deles. O arquiteto e designer revelou a uma plateia lotada durante o Ciclo de Palestras Docol, em Florianópolis, que adora garimpar em caçambas, investiga os materiais, reutiliza, recicla, e usa matérias não primas, como chama.
- Não estou resolvendo o problema, mas falando no assunto já ajuda - diz o designer paranaense que mora em São Paulo e atua em vários campos de criação, do produto à arquitetura temporária.
A partir de suas criações pretende colaborar para transformar o consumidor em um agente reciclador. Os produtos criados pelo escritório são conceituais e a experimentação é a palavra que define o processo do arquiteto. A visão, segundo ele, é de que as pessoas de um modo geral não querem comprar apenas mais uma cadeira ou um sofá. - Elas querem saber a história do produto, a bagagem conceitual que a peça carrega. Por isso, o mais importante no desenvolvimento de um produto é o processo, o pensamento e o significado que está por trás e não o produto em si.
A linha José é um exemplo do olhar treinado de Arruda, um observador do cotidiano e da brasilidade não óbvia, do caos organizado, da informalidade urbana e da "capacidade de transformar coisas ordinárias em extraordinárias".
Com mestrado em sustentabilidade, o arquiteto que participou do quadro Lar Doce Lar, do Caldeirão do Huck, onde exercitou sua verve criativa, afirma que o tema deve servir como caminho no desenvolvimento de produtos e serviços.
- Não dá para dizer que as linhas José, Tereza e Fluor são 100% sustentáveis, porque a sustentabilidade envolve aspectos sociais, culturais, ambientais e econômicos. Mas existe uma preocupação e um caminho a seguir - sustenta.
As luminárias Tereza propõem um novo uso para as clássicas telas plásticas encontradas nas sacolas das feiras livres brasileiras. Combinada com uma estrutura de aço leve e dobrável, a peça é versátil, de fácil montagem e transporte
Foto Lufe Gomes, Divulgação
Copyleft - Ideia para ser copiada
Você já imaginou fazer download de uma peça de design e construir seu próprio objeto? Esse projeto chamado de Open Design baseia-se na visão de uma transformação no mercado de design nos moldes do que aconteceu com a indústria da música. O consumidor tem liberdade para interferir e montar sua peça, estabelecendo uma relação forte com o objeto e, consequentemente, descartando menos.
A luminária Fluor é um exemplo desse conceito de design aberto. Desenhada em 2013, a peça é uma copyleft - o contrário de um copyright - e significa que pode ser copiada, é só fazer o download no site do arquiteto. A intenção é despertar o interesse pelo reúso desse material.
- É claro que isso não é nada comercial, mas o que a gente tá tentando discutir e colocar em pauta é o que vai acontecer com o design no futuro, de que maneira vamos consumir design - conclui.
A Fluor não tem direitos autorais reservados e foi registrada no Brasil com o selo Creative Commons, uma licença que permite outros adaptarem, e criarem obras derivadas sobre a obra licenciada, sendo vedado o uso com fins comerciais.
Maurício diz que o escritório tem saúde financeira atuando com outros projetos. No entanto, os produtos menos comerciais, com uma boa história para ser contada, também trazem novos clientes e oportunidades de trabalho. A própria indústria tem procurado o escritório do arquiteto para começar o desenvolvimento de processos de reutilização de resíduos e criação de produtos com design nacional.
Design no cotidiano
Mauricio Arruda é um legítimo caçambeiro
Arquiteto paranaense e que recentemente esteve em Florianópolis viu a oportunidade quando migrou para outra direção e encontrou no lixo o que ele chama de matérias não primas
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