Eu era um pingo de gente, em frente ao quadro-negro, quando aprendi que o Brasil era um país em desenvolvimento. Melhor que nada, pensei. Estávamos em movimento, chegaríamos lá. Eu me transformaria em uma mulher adulta ao mesmo tempo em que o Brasil também tiraria a bermuda e viraria um país sério.
País sério, claro, no quesito cumpridor de suas responsabilidades, pagando as contas em dia, cuidando de quem precisa. Sério não quer dizer obtuso. Nossa música continuaria motivo de orgulho e festa, nossos craques seguiriam dando baile nos estádios, o teatro cada vez mais questionador, o Carnaval desavergonhado, as bancas transbordando de jornais independentes, a gaiatice estampada em nossos sorrisos. Se, em desenvolvimento, já adorávamos uma farra, imagina sair do gerúndio para o particípio, com dinheiro no bolso e necessidades atendidas.
Ha. Ha. Ha. Deu tudo errado.
"Em desenvolvimento" era uma falácia daqueles tempos em que se torturava jovens nos porões, era o que os generais garganteavam enquanto batiam continência para os patrocinadores. Enrolation para inglês ver e as criancinhas se iludirem.
Encerrada a ditadura, veio um período de esperança, até que testemunhei o impensável: o Brasil tirou a bermuda e vestiu terno de missa, colocou uma Bíblia embaixo do braço e varreu os poetas de suas cabeceiras. Menos samba no morro, nem pensar topless na praia, bye bye irreverência.
Já não percebo em nós, como nação, um caráter solar, apenas devoção à poeira do passado e apego à escravidão. Éramos tão apaixonados pela vida, mas a hipnose tecnológica acabou com nossos olhos nos olhos e, como se tudo não passasse de um game, extraímos das telas digitais um país ainda mais violento e que despreza a inteligência, só pontua na ignorância.
Talvez meus óculos estejam embaçados, talvez só tenha me restado o saudosismo do retrovisor. O que enxergo na minha frente, agora, é um país careta que se empolga com gente sem ética, um país que promove queimadas, um país apequenado pelo uso criminoso das redes, gigante que não honrou sua sina, perdeu-se do seu destino. Meio ambiente, arte, criatividade, faceirice, tudo engolido por Vossa Excelência o dinheiro, o poder, a indústria, o mercado, a internet, o escambau. Adeus, berimbau.
Não será o político A, B ou C que fará a mágica de tirar um país novo da cartola. Será, sim, o abc da sala de aula, caso levemos a sério, pra valer, o que lá se aprende e se discute, sem enganação ou censura, sem atraso ou mitificação.
Eu já não terei a honra de viver no país que sonhei, então só me resta torcer para que todas as crianças recebam educação ampla, decente e prioritária, para que elas consigam, finalmente, ver o potencial extraordinário de sermos um país desenvolvido se cumprir.