É uma carta antiga, assinada não sei por quem (nem Shakespeare, nem Leandro Karnal, nenhum sábio notório). Encontrei nos meus arquivos durante uma pesquisa arqueológica. Uma amiga me enviou numa época em que não dei muita atenção, mas, hoje, reli com mais prazer.
É a carta de um homem que faz um elogio à solidão e à vida de solteiro, denunciando o absurdo que é uma pessoa manter uma relação só para dizer ao mundo que tem alguém, quando este alguém talvez não colabore em nada para seu bem estar. Para a maioria das pessoas, entre a solidão e Satanás, bora convidar Satanás para um vinho, mas, para o sujeito que redigiu a carta, a solidão é companhia suficiente. Até porque ele a compartilha com livros, com música, com um esporte, com viagens, com amigos e com ele próprio, com quem mantém uma relação quase perfeita.
O que eu mais curti na carta, que é longa, foi uma frase espirituosa: “Me deixa quietinho aqui com minha vida espetacular”.
Reconheça: quem gosta de ficar consigo mesmo tem uma vida espetacular, a despeito de todos os seus problemas. A pessoa não está angustiada em ocupar, a qualquer custo, o espaço vago ao lado da cama. Não está se sentindo abandonada pela sorte, não está avaliando perfis e currículos, não está pensando nisso 24 horas por dia. Simplesmente está tocando sua vida sem estresse, pois sabe que só vale a pena investir em relações que sejam melhores do que a sua solidão. Não parece sensato?
O medo da solidão é o catalisador das pequenas besteiras que fazemos diariamente e de algumas enormes que reincidimos sem nem perceber. A solidão é vista como uma tragédia – é considerada pior do que estar com alguém que nos chateia e de quem não nos orgulhamos. Aturar passou a ser um verbo romântico.
Precisa tanto drama? Certamente há outras vidas espetaculares por aí, com quem vale a pena interagir e somar nossas solidões, sem eliminá-las. Sou partidária do 1 + 1, duas solidões se divertindo juntas. Pena que poucos avalizem essa matemática. A fórmula do sucesso ainda é o 2 em 1, uma solidão tentando destruir a outra, e ai de quem pedir 10 minutos para si mesmo. Nada de ficar quietinho ali.
“Muita vida te aguarda/muita vida te procura.” Versos do português Joaquim Pessoa, descoberta literária recente e bem-vinda. É isso. Acredito que a vida pode ser ainda mais espetacular caso haja o encontro verdadeiro de duas almas com afinidades suficientes, sem produzirem dependência e sem almejarem um êxtase de contos de fada. Acredito em se deixar encantar por alguém que não tenha a pretensão de substituir a boa companhia que sempre fizemos para nós mesmos. Pés contra pés embaixo das cobertas, mãos dadas no cinema, olho no olho. Lindamente, um amor que não rouba tua alma, não impede tua quietude, não embaça tua verdade, apenas torna tudo melhor do que já é.
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