Recebi um vídeo em que o filósofo Mario Sergio Cortella diz que todos os nossos valores de conduta deveriam ser submetidos a uma pergunta simples: "O que minha mãe diria se soubesse que eu...?". Se ela compreendesse, se considerasse coisa de pouca gravidade, você estaria absolvido. Mas, se a reação dela fosse fechar as janelas da casa e retirar suas fotos dos porta-retratos, não haveria dúvida: você teria sido reprovado no mais implacável teste de dignidade. Uma mãe envergonhada de um filho é o fundo do poço, não há como descer mais.
Fiquei pensando se alguma vez envergonhei minha mãe, e a resposta, claro, foi um redondo sim, ou não seria uma criatura normal. Mas nada que justificasse retirar minhas fotos dos porta-retratos. Eu era um bicho do mato quando menina, nenhuma articulação para conversar com parentes, e o gosto para me vestir era mais que duvidoso. Sabe aquela bonitinha de maria-chiquinha que todos apertam a bochecha? Esquece, não era eu. Depois, virei uma moça que, para os padrões da época, talvez parecesse meio selvagem: fui morar sozinha, tinha uns namorados estranhos, não casei na igreja. Mas nunca repeti o ano, jamais tiveram que me buscar numa delegacia e venderia fácil meu carro usado.
Então, virei uma jovem senhora, e a maturidade fez seu dever de casa: minha mãe e eu viramos a melhor amiga uma da outra.
O sorriso permanente que ela traz no rosto só saiu dali por breves minutos de sua vida inteira. Minha mãe assiste a todos os bons filmes que estão em cartaz e a todos os clássicos que reprisam no Telecine. É formada em Letras e já lia Dostoievski com 12 anos de idade. E, garanto, teria sido a mais divertida comentarista de televisão: quem pensa que o jornalismo ganhou algo comigo não pode imaginar o que ele perdeu por não tê-la descoberto primeiro.
É mãe excelente, mas quem dera tivesse sido minha avó. Para entender isso melhor, perguntem a quatro sortudos: Julia, Laura, João Pedro e Rafael. Eles sabem o que é ter a Disney a 15 minutos de casa. Basta que ela abra uma caixa de pulseiras, uma gaveta de fantasias ou um baralho encantado, e ninguém mais quer saber de TV, computador, smartphone. Quantos adultos sabem brincar pra valer?
Minha brincadeira preferida é conversar, e ela domina essa arte também. Não há ninguém que me entenda tanto quanto ela, que me faça sentir tão à vontade para falar sobre qualquer assunto. É uma interlocutora antenada: não é chata nem careta, nem pirada. Teria direito, hoje, de ser um pouco de cada, mas chegou aos 80 anos preservando sua independência, sem fazer chantagens emocionais e com a lucidez diabólica de quem amou muito, leu muito e valorizou cada segundo respirado.
Isabel é o nome da aniversariante de hoje, a quem espero não estar envergonhando com essa megaexposição: que minhas fotos permaneçam no lugar.