Durante alguns anos, convivi com uma senhora que trabalhou a vida inteira numa casa de família. Praticamente criou os filhos dessa família, que depois cresceram e seguiram amparando-a. Era uma mulher de alma boa, mas com uma vida desértica. Não sabia ler nem escrever. Não sabia identificar os números. Falava um português sofrível. Nasceu e viveu no interior do Rio Grande do Sul. Conheceu Porto Alegre, mas na capital não conseguia pegar um ônibus ou fazer compras sozinha. Não teve filhos. Não se tem notícia de algum namorado, é bem possível que nunca tenha amado um homem. Colecionava bonecas mesmo depois de adulta. Era de uma ingenuidade assombrosa. Assistia televisão, mas entendia muito pouco do que via. Era uma mulher inocente que desconhecia a maldade, o sarcasmo, as segundas intenções. Cozinhava bem, seu grande dom. Fora isso, ter seis ou 60 anos não fazia a menor diferença, a não ser no aspecto físico. Nunca deixou de ser uma criança.
Despedida
Descansou em paz
O que sabemos nós sobre aquele que parece radiante ou sobre aquele outro que parece à beira do suicídio?
Martha Medeiros
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