Dia desses, fui entrevistada por uma jornalista que eu não conhecia. Era uma moça nova, acho que não tinha nem 30 anos. Antes de começar a entrevista, fomos para o jardim da emissora para que pudéssemos ter uma conversa informal a fim de alinharmos, juntas, o papo que viria.
Não foram necessários mais do que 15 minutos para virarmos amigas de infância. Ela me contou que sempre trabalhou fechada dentro de estúdios, criando pautas e redigindo textos, mas que agora passaria a apresentar matérias na rua, ao vivo, o que era um desafio maravilhoso, mas que a deixava apreensiva. Foi quando comentei que ela era linda, carismática e que tinha tudo para arrebentar. Tiramos uma selfie e pedi para ela enviar a foto para meu Whatsapp, assim já ficaríamos conectadas. Dei a ela meu número e então, neste clima de camaradagem, fomos, finalmente, gravar nossa entrevista.
Uma hora depois, enquanto eu dirigia de volta pra casa, lembrei o momento em que eu disse que ela era linda, carismática e dei o número do meu celular. E fiz um rápido exercício de imaginação. Suponhamos que eu não fosse uma escritora, e sim um escritor. A cena não pareceria assédio?
Ok, a cena poderia parecer assédio mesmo eu sendo mulher, caso mulheres me interessassem sexualmente. Mas se fosse um homem que dissesse para a repórter que ela era uma gata, que apostava em seu sucesso e ainda desse o número do seu Whatsapp, a garota poderia sair dali direto para uma delegacia e denunciar o abusado que a subjugou com elogios maliciosos.
Vai dizer que não colava?
São tempos de paranoia, esses. Fico imaginando quantos homens deixam de ser simpáticos e gentis com mulheres que recém conheceram, por receio de serem mal interpretados. Quantas pessoas ainda não saem do armário com medo de perderem o emprego e o amor da família. Quantos mentem sobre o que pagaram por um casaco (no caso de ele ser muito caro ou ridiculamente barato) para não darem pista da sua situação financeira. Quantos evitam dizer o que pensam sobre política a fim de não serem patrulhados. Quantos comem sobremesa escondido para não terem sua silhueta analisada. Quantos dizem que andam sem tempo e com a agenda lotada só para não parecerem vagabundos. Quantos saem de perto de um sujeito com aparência fora do padrão com medo de que ele seja um delinquente. Quantos trancam suas gavetas achando que podem ser roubados. Quantos não comentam seus projetos, certos de que terão suas ideias copiadas. Quantos não entregam a chave do carro a manobristas. Quantos não comentam que estão de viagem marcada para evitar olho gordo. Quantos ainda não compartilham copos e talheres. Quantos não deixam a bolsa pendurada na cadeira ao irem se servir no buffet. Quantos não dão informação na rua temendo ser um golpe.
A naturalidade agoniza, enquanto a paranoia está vendendo saúde.