Foi no dia 3 de maio último. Eu havia acabado de realizar um talk show promovido por uma joalheria de Porto Alegre. Estava conversando com um grupo durante o coquetel, quando ela se aproximou. Era uma mulher da minha idade, mignon, discreta. Estava vestida com elegância e usava um colar de pérolas. Tudo parecia frágil nela, a começar pela voz e pela sua fala pausada. Mas, assim que ela se apresentou, vi que a fragilidade era aparente e circunstancial.
Na verdade, ela era uma fortaleza lutando contra uma insuficiência cardíaca grave, diagnosticada ainda na infância. Depois de inúmeras internações ao longo da vida, nada mais a fazer: só mesmo um transplante de coração lhe garantiria um futuro. De coração! Quase não acreditei quando ela comentou sua situação assim, como se normal fosse, sem melodrama algum.
O que ela estava fazendo ali? Não deveria estar em casa, em repouso, grudada em seu celular à espera da chamada que salvaria sua vida? Ela disse que estava com a mala pronta para o hospital, aguardando o aviso da chegada de um doador compatível, mas não iria abrir mão de alguns de seus prazeres, ao menos dos que exigiam pouco esforço físico. Ela estava ali simplesmente para me conhecer e ouvir.
Pode haver homenagem maior?
Conversamos alguns minutos e logo ela se despediu. Desejei-lhe sorte e não a vi mais.
No dia 31 de maio, abri o jornal e, para meu desalento, vi sua foto no obituário. Usando o mesmo colar de pérolas e com o mesmo sorriso com que me abordou menos de um mês antes.
São inúmeros os pacientes que aguardam na fila para um transplante. Cada um deles tem uma família, uma história. Todos são importantes para seus amigos, para seus colegas. Nós, que exercemos uma atividade pública, acabamos entrando em seu rol de afetos sem nem entender bem por quê. Estive com Ângela por um breve momento – uma mulher que, mesmo ciente da gravidade da sua situação, buscava manter acesa sua alegria, sua curiosidade, e saiu de casa naquela noite atrás de alguma gratificação. Não lembro sobre o que falei no evento para as pessoas que foram lá me ouvir, mas espero que tenha valido a pena pra ela. O que me resta agora, a não ser prestar-lhe uma homenagem em retribuição?
Já deixei claro para minha família: quero ser doadora de órgãos, se houver essa possibilidade. Apelo para que você deixe isso claro para sua família também. Não perpetue preconceitos e dogmas que impedem a cura de quem precisa de um transplante. Por Ângela, por todos e, vá saber, por nós mesmos, que um dia talvez precisemos: sejamos doadores.
E que esse gesto seja uma pérola a mais em nosso colar.