Sentado em sua poltrona de couro marrom, ele me ouviu com a mão apoiada no queixo por 10 minutos, talvez 12 minutos, até que me interrompeu e disse: “Tu estás enlouquecendo”.
Não é exatamente isso que se sonha ouvir de um psiquiatra. Se você vem de uma família conservadora que acredita que terapia é pra gente maluca, pode acabar levando o diagnóstico a sério. Mas eu não venho de uma família conservadora, ao menos não tanto.
Comecei a gargalhar e em segundos estava chorando. “Como assim, enlouquecendo??”
Ele riu. Deixou a cabeça pender para um lado e me deu o olhar mais afetuoso do mundo, antes de dizer: “Querida, só existem duas coisas no mundo: o que a gente quer e o que a gente não quer”. Quase levantei da minha poltrona de couro marrom (também tinha uma) para esbravejar:
“Então é simples desse jeito? O que a gente quer e o que a gente não quer? Olhe aqui, dr. Freud (um pseudônimo para preservar sua identidade), tem gente que faz análise durante 14 anos, às vezes mais ainda, 20 anos, e você me diz nos meus primeiros 15 minutos de consulta que a vida se resume ao nossos desejos e nada mais? Não vou lhe pagar um tostão!”
Ele jogou a cabeça pra trás e sorriu de um jeito ainda mais doce.
Eu joguei a cabeça pra frente, escondi os olhos com as mãos e chorei um pouquinho mais. Não é fácil ouvir uma verdade à queima-roupa.
“Tem gente que precisa de muitos anos para entender isso, minha cara.”
Suspirei e deduzi que era uma homenagem: ele me julgava capaz daquela verdade sem precisar frequentar seu consultório até ficar velhinha. Além disso, fiz as contas e percebi que ele estava me poupando de gastar uma grana preta. Tá, e agora, o que eu faço com essa batata quente nas mãos, com essa revelação perturbadora?
Passo adiante, ora. Extra, extra, só existe o seu desejo. É o desejo que manda. Esse troço que você tem aí dentro da cachola, essa massa cinzenta, parecendo um quebra-cabeças, ela só lhe distrai daquilo que realmente interessa: o seu desejo. O rei, o soberano, o infalível, é ele, o desejo. Você pode silenciá-lo à força, pode até matá-lo, caso não tenha forças para enfrentá-lo, mas vai sobrar o que de você? Vai restar sua carcaça, seu zumbi, seu avatar caminhando pelas ruas desertas de uma cidade qualquer. Você tem coragem de desprezar a essência do que faz você existir de fato?
É tão simples que nem seria preciso terapia. Ou nem seria preciso mais do que meia dúzia de consultas. Mas quem disse que, sendo complicados como somos, o simples nos contenta? Por essas e outras, estamos todos enlouquecendo.
A colunista está em férias. Este texto
foi publicado em 25 de abril de 2010.
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