Faz algum tempo que nós, da família, já não trocamos presentes no Natal. Por vários motivos, entre eles, para escapar desse consumismo que mais estressa do que dá prazer e porque, com a passagem do tempo, ficou evidente que estar juntos é o que importa – presenteamos apenas as crianças, para preservar uma ilusão que ainda as encanta.
Essa consciência acabou chegando também para a nossa turma de amigo-secreto. Já comentei que faço parte de um grupo de 10 amigas que são como irmãs. Tudo começou ainda no colégio e temos um orgulho danado de termos cuidado dessa relação como se fosse um cristal. Estamos constantemente em contato, unidas em todos os momentos, dos mais intensos aos mais frívolos, e o nosso jantar de fim de ano é tão obrigatório quanto o Especial do Roberto Carlos. Por muito tempo, trocamos presentes entre nós, depois começamos a adotar as cartas de crianças em situação de vulnerabilidade que escrevem para o Papai Noel dos Correios, e neste ano experimentamos ainda outra modalidade de celebração: resolvemos nos presentear com alguma coisa que fosse nossa – mas não algo que estivesse velho ou que não quiséssemos mais. Algo de que a gente gostasse muito, que fizesse parte da nossa história, para que, a partir de então, fizesse parte também da vida da nossa amiga.
Em vez de dar, doar. A inclusão de mais uma vogal no verbo fez toda a diferença.
Entre todos os encontros realizados, foi nosso final de ano mais afetivo. O desapego dá uma polida na alma: ninguém ficou reparando se o presente era de alto ou baixo custo, ninguém percebeu a ausência de uma bela embalagem ou deu falta de uma etiqueta. Prevaleceu a emoção: aquilo que antes estava sob nossa guarda iria ficar sob a responsabilidade de alguém que amamos e em quem confiamos, eliminando o conceito de distância. O "eu" de cada uma se expandiu, virou "eu e você".
Fabrício Carpinejar, colega de ZH e amigo inspirado, ontem publicou em sua coluna um texto invocando a lembrança comovente das roupas trocadas entre irmãos. Estamos em sintonia, Fabro. Você usou como gancho um hábito de infância que acontecia em tempos bicudos, quando não sobrava grana – hoje, para a maioria, continua não sobrando. Mas o recurso da doação não precisa estar relacionado apenas ao saldo no banco. Mesmo havendo condições de comprar um caminhão de brinquedos e uma loja inteira de roupas, vale a reflexão, que é manjada, mas sempre verdadeira: o que deveríamos desejar desembrulhar embaixo da árvore são as pessoas que nos cercam e ter acesso ao que elas trazem de bonito dentro. Então, é Natal.