Nunca fui boa de paquera. Sendo tímida quando garota, não conseguia sustentar um contato visual. Se olhavam para mim, virava o rosto, constrangida. E mesmo quando a conversa se iniciava, era uma travação só. A meu favor, digo que os garotos não eram muito melhores de papo. Falar sobre si mesmo, quando se é adolescente, equivale a um parto a fórceps. Como dizer abertamente quem somos, como narrar para alguém o nosso universo privado? Era preciso um truque, um subterfúgio.
O meu era gravar fitas K-7 (recorram ao Google, crianças) com minhas músicas preferidas e então dá-las de presente, torcendo para que não precisasse explicar mais nada: através delas, meu futuro príncipe (sempre romântica) descobriria por onde passava minha emoção, em que tom eu me comunicava com meus demônios internos, o que fazia minha imaginação voar, qual era a trilha sonora da minha intimidade – aquela intimidade que eu estava disposta a repartir.
Um dólar pelos seus pensamentos. Você também fazia isso?
Pode-se tentar o mesmo tipo de conexão emprestando livros, é também uma forma de dizer quem somos, mas selecionar pessoalmente cada música, fazer uma playlist especial para os ouvidos de uma única pessoa costuma ser um strip-tease bem eficiente – e encabula menos. Tanto funciona, que crescemos e mantemos o estratagema. Meu ex-marido me seduziu com seu espetacular gosto musical. A parte mais sofrida da separação foi a divisão dos discos ("pode ficar com o apartamento, o carro, as filhas, mas os álbuns são meus!"). Acabou deixando o mais importante comigo, sua amizade. Ainda trocamos dicas e curtimos o mesmo jazz.
Mas nem sempre tive essa sorte. Se eu não fosse perseverante, alguns romances não teriam prosperado. Um namorado foi viajar e retornou com um CD, o primeiro que eu receberia dele. Abri o pacote com o coração aos pulos: enfim, descobriria o que o comovia. O disco era do Dudu Nobre. Inúmeras mulheres teriam vibrado, mas, pela cara que fiz, ele tomou a decisão certa: passei a ganhar flores, o que garantiu a longevidade da relação.
Não faz muito tempo gravei um CD para alguém com quem começava a sair. Escolhi a dedo alguns blues de Buddy Guy, John Lee Hooker e outros nomes que combinam com uma noite regada a vinho tinto, mas a reação dele foi morna como um copo de leite. A pá de cal: dias depois ele me recomendou um cantor de bolero boliviano. Como é triste o fim de um amor.
Não é obrigatório ter o mesmo gosto musical, mas um relacionamento que se pretenda sintonizado ganha muito quando ambos conseguem escutar o que o outro está sentindo.