Estava distraída andando pelo parque num dia de sol quando escutei, sem querer, a conversa de duas moças que caminhavam logo atrás de mim.
Disse uma para a outra: "Ele aparece muito depressa, não dá tempo de pegar".
Imaginei que ela estivesse narrando as desventuras da noite anterior. Visualizei a cena: ela tomava uma caipirinha em uma mesa de bar quando entrou no recinto o homem de seus sonhos, que deu uma rápida conferida no ambiente e logo sumiu porta afora, como era de costume. O comentário dela não fazia todo sentido? "Ele aparece muito depressa, não dá tempo de pegar".
Se não era esse o caso, talvez fôssemos colegas de profissão e o comentário faria sentido igual, uma vez que, além de eu estar no parque me exercitando, estava também fazendo algo que minha atividade exige: caçando. Calma. Caçando assunto. Às vezes eles também surgem muito depressa, nem dá tempo de pegar.
Parece insano reclamar de falta de assunto, já que não se pode alegar que o mundo esteja um tédio. Absolutamente tudo está acontecendo este ano, a ponto de uma boa piada ter se propagado por aí: "Tentei acompanhar 2016, mas desisto, vou esperar sair em DVD".
Ainda assim, quem escreve colunas há mais de duas décadas vive com a sensação de ter esgotado seu estoque de opiniões. Olimpíada, corrupção, desastres ambientais, mortes, crises, eleições, retrocessos, avanços, dores existenciais, ativismo político e social: mudam os personagens, os enredos são reescritos, a filosofia clássica é reinterpretada, mas o que é que ainda surpreende de fato? Lembro que até há pouco tempo eu pensava que o último acontecimento realmente impactante deste início de século havia sido o 11 de Setembro, porém até o terrorismo está em vias de se banalizar.
O jeito é extrair uma impressão pessoal não só das grandes questões, mas também das trivialidades que todos estão comentando (e agora todos são todos mesmo), com bom-humor ou mau-humor, sem se angustiar por não conseguir ser original em meio a bilhões de palpiteiros simultâneos desse universo tecnológico.
Costumo fazer minhas caminhadas sem levar o celular, mas aquelas duas moças atrás de mim estavam com seus smarthphones caçando você-sabe-o-que, só que quem se deu bem fui eu, pois ele passou depressa e eu consegui pegar – um assunto! Graças ao comentário delas, trouxe pra casa minha caça: a crônica foi escrita, entregue para o jornal e agora está sendo lida. De certa forma, meu Pokémon é você.