Essas coisas que a vida nos apresenta em meio a uma tempestade – porque se tem algo que combina com a vida é tempestade que chega quando tudo parece mais ou menos encaminhado. A vida tem muito mais plot twists que a ficção.
Pois foi em plena turbulência que veio o convite para transformar em filme o show em que o excelente ator Silvero Pereira mostra que também é um excelente cantor interpretando várias das músicas do repertório de Belchior. Belchior, que se escondeu dos tantos tormentos de sua alma, e das leis dos homens, perambulando pela América Latina, ele que era um rapaz latino-americano. Vagou assim até falecer aos 70 anos aqui no Estado, em Santa Cruz do Sul.
Que grandes músicas Belchior nos deixou. Um artista que morre tem esse poder de legar uma herança que não vai desaparecer nunca, pelo contrário, só vai aumentar ao longo dos anos, transmitida a cada vez mais gente. Triste pensar que tantos se foram nesses últimos tempos. Quem ainda não se recuperou da morte da Gal, bote a mão aqui.
Falando em despedida, Cíntia Moscovich falou em sua coluna sobre o último show de Milton Nascimento, ela que esteve no Mineirão com seu amor LP. Para quem perdeu, vale se emocionar aqui: https://gzh.rs/3uahOwY.
Silvero Pereira interpretando Belchior é uma combinação tão forte que o cantor recebeu um convite para gravar o clipe de uma das músicas do show no estúdio de – apenas – Caetano Veloso. Estúdio que fica na casa do Caetano Veloso, quer dizer, no térreo da casa do Caetano. Não sirvo para muita coisa com uma câmera na mão, mas o diretor contratado para a filmagem, sem equipe no Rio de Janeiro, precisaria de apoio para, nem que fosse, carregar algum equipamento ou descarregar os cartões de memória. Junto com as meninas da produtora, Verônica e Valencia, que contrataram o diretor, lá fui eu ajudar na empreitada.
(Nessas horas que a mãe agradece por seu filho ter escolhido o cinema como profissão.)
A casa do Caetano fica em uma encosta de onde se vê o mar, cheia de vegetação nativa e preservada em volta. Uma casa digna para o – na minha opinião – maior artista da música brasileira, que segue em turnê aos 80 anos de idade com o show Meu Coco. Caetano tinha recém chegado de uma apresentação para mais de 7 mil pessoas em São Paulo naquela manhã, e estava descansando. Só de saber que ele respirava o mesmo ar que eu, ainda que no andar de cima, já alegrava meu coração de fã.
Silvero Pereira tem uma ótima banda que o acompanha no palco, mas o clipe seria gravado com os músicos do Caetano. Eles já estavam lá, uma combinação de artistas experientes com outros bem mais jovens e, entre eles, o diretor musical Lucas Nunes. Caí para trás. Conhece a incrível banda Bala Desejo, que acabou de ganhar o Grammy Latino de Melhor Álbum Pop em Português? Pois o Lucas é um dos quatro integrantes da Bala Desejo, que eu adoro. Bendita tempestade que me fez estar ali naquele dia.
Deu tudo mais que certo na filmagem, mas ainda não terminou. A gravação continua hoje, que é a terça anterior à publicação dessa coluna. Outros músicos vão gravar com Silvero, e assim o clipe vai ficando cada vez mais bonito. Quando enfim encerrar, estamos convidados a subir para conversar com Caetano. Não tenho nem roupa, nem maturidade, nem coração para isso.
Se eu não tiver uma síncope, nos vemos na semana que vem.