Para quem, como eu, lutou pelo outro lado, não acabou bem. Mas ainda bem que acabou. Saldo do processo eleitoral: amigos rompidos, famílias estremecidas, descrença e desconsolo de uns, crença e apoio de outros. E a política – se boa ou má, a esta altura não faz muita diferença – grudada no cotidiano dos brasileiros. Tratada com a mesma paixão e, por vezes, insanidade, com que a gente reage ao futebol.
Ainda bem que acabou. Quer dizer: a verdade é que nem começou, mas agora estamos diante do fato consumado, cuspido e escarrado. Ninguém esclareceu o eleitor sobre nada, conheceremos o que o destino nos reserva à medida em que ele nos for apresentado. Nada indica que serão tempos tranquilos, mas acabou. É hora de falar de outras coisas – e de coisas boas, para mudar o disco. É disso que vou falar hoje. Começando pela nossa querida Feira do Livro.
Sempre passando por cima das dificuldades – são os milagres da Câmara Rio-Grandense do Livro –, a Feira vem com a terceira patrona consecutiva. Desta vez, é a poeta Maria Carpi, sucessora de Valesca de Assis, que sucedeu à Cíntia Moscovich. Não tem jeito, a Feira é mulher, como dá para ver na programação que propõe reflexões a partir da perspectiva do feminismo e das mulheres LGBTQ+ e negras.
Entre as convidadas, a autora ruandesa Scholastique Mukasonga e a escritora e editora francesa Paula Anacaona, uma apaixonada pela nossa literatura que já lançou diversas coletâneas com autores brasileiros pela Editions Anacaona.
Nesta edição da Feira, a Biblioteca Itinerante BookTruck, que leva obras de autores gaúchos para o centro-oeste, sudeste e nordeste, estará estacionada na praça. Andando por esse país, a BookTruck já chegou a mais de 40 mil pessoas e doou mais de 32 mil livros de 2017 até agora. Vale uma passada para conhecer – mas é só até dia 4.
Falando em dia 4, até as 23h59min a Saskia, artista de Porto Alegre, está em campanha para realizar o sonho do notebook próprio. A guria de 22 anos compõe, produz e grava em um velho PC emprestado e sem tela, que agora deu os doces. Bastam R$ 4 mil para resolver a questão com uma vaquinha online. No link tem, além das instruções e recompensas, uma amostra do trabalho dela. Pelo tipo de som que faz, se tivesse nascido em Londres, a Saskia já teria conquistado o planeta. Para contribuir acesse a página do Benfeitoria.
Essa característica de inventar soluções e não se entregar, mesmo com todos os percalços, tem sido uma característica da cultura – por vezes tão difamada. O que se fala sobre as leis de incentivo, por exemplo, mostra o desconhecimento de quem ainda considera, em pleno 2018, que arte é coisa de vagabundo.
abia que a execrada Lei Rouanet, para citar a mais famosa, foi criada no governo Sarney? E que ela não tira um centavo das prioridades do país, já que apenas reverte o imposto devido por pessoas físicas ou empresas para projetos fartamente documentados e devidamente capacitados? Pois é.
É como diz uma amiga: às vezes, eu me sinto mais incompreendida que a Lei Roaunet.
E assim, aos trancos e barrancos, a cultura vai deixando a vida menos árida. E pode acreditar: seria tudo muito mais feio sem ela.
• • •
Outra boa notícia de novembro: vem aí o novo filme do diretor Jorge Furtado, Rasga Coração. Adaptação de uma peça de Oduvaldo Vianna Filho que estreou no início dos anos 1970, o filme traz o conflito de um ex-militante de meia-idade (Marco Ricca) com as causas do filho (Chay Suede). Passando em revista o próprio passado, o protagonista se pega repetindo as mesmas atitudes do seu pai. No elenco, Drica Moraes, Luisa Arraes e Nelson Diniz, entre muitos e bons outros. Rasga Coração será exibido no Festival de Cinema do Rio e logo entra em cartaz em todo o país. Nem o diretor imaginou que a história estaria tão atual 40 anos depois de ser escrita.