Perdi as contas de quantas vezes falei deste lugar para a Amanda. Eu lembro bem da primeira e, até então, única vez que o visitei. Fazia calor, mas as árvores do Moinhos de Vento permitiram um almoço tranquilo e agradável. Estávamos em cinco mulheres em uma confraternização de fim de ano e fim de ciclo. Nos despedíamos umas das outras em um oito de dezembro ensolarado.
Apesar do azar que, ultimamente, insiste em me rodear, a sorte me bateu à porta e abriu sol na sexta-feira passada, brindando com um céu limpo como naquele dezembro em 2018. Cheguei primeiro que as minhas novas companhias. O cheiro da lenha queimando já era um convite para entrar. Foi o que fiz.
Passei por algumas mesas na calçada, pela churrasqueira, pela mesa de pratos, pelo bufê, pelo cheirinho de feijão que exalava, por mais algumas mesas, por um fogão à lenha, por quatro cadeiras de ferro penduradas na parede branca, por um cachorrinho, por alguns garçons, até chegar na reserva para nossa experiência.
É até difícil explicar como é a Pâtissier Marcelo Gonçalves. Talvez não seja à toa que cada mesa precisa ser reservada e vive com fila de espera: o lugar é uma calmaria em meio à movimentada e caótica rotina de Porto Alegre. Ele é dividido em diferentes ambientes, com mesas menos na entrada, em frente ao bar, e um salão mais amplo, com mesas maiores, perfeitas para confraternizações, como o aniversário que presenciamos, ou para encontros despretensiosos com as amigas num almoço de quarta-feira. Clássicos da música brasileira tocam no alto falante, criando um clima ameno e aconchegante, como estar em casa.
Fui recepcionada com uma porção quentinha de pinhão. Ofereceram também uma dose de cachaça, mas o estômago estava vazio demais para dar início àquela prova. Belisquei o pinhão até as gurias chegarem.
Nos direcionamos ao bufê, que já tinha uma grande fila. Os pratos, organizados em altas pilhas, estavam separados por tamanho. Na minha concepção, nada melhor para uma feijoada do que um bom prato fundo.
Além da feijoada, o aparador tinha arroz, farofa, joelho de porco confitado, torresmo, aipim frito e uma panela com linguiça e costelinha suína para complementar o prato. Em uma segunda parte, diversos acompanhamentos também eram oferecidos: couve, couve com vinagrete, laranjas fatiadas, pimentas, pão de fermentação natural, além do caldinho de feijão servido em pequenas xícaras.
Começamos provando o caldinho. Ele era bem cremoso e com sabor intenso, mas sem nenhum exagero. Mergulhar o aipim, fritinho e crocante, é um caminho sem volta. Me faça um favor: entre nessa viagem e não perca tempo. Se for preciso, revisite a fila e busque mais uma quantidade generosa de aipim. É viciante.
Voltamos para o bufê com ainda mais vontade de provar a feijoada (R$ 68). Há mais de sete anos ela é servida por lá, e, com certeza, isso tem um porquê: ela é completa e quase obscena de tão gostosa. O feijão preto acompanha linguicinha fina, calabresa, paio, bacon e costelinha defumada. A cada garfada, ou colherada, se preferir, a combinação dos sabores me levava para aquele dezembro de calor, apesar de estar enrolada em uma manta e perto do fogão à lenha para me aquecer – coisa que a cachacinha conseguiu fazer em um gole.
Ainda que quiséssemos, não tivemos estômago para repetir. Partimos para fechar o almoço com a merecidamente famosa mil-folhas de bergamota. Se você ainda não ouviu falar dela, eu escrevo: nenhum prato como esse vive na boca do povo à toa. E essa sobremesa merece todas as menções. O creme aveludado de bergamota se debruça sobre as finas e crocantes massas folhadas. Por cima, uma camada de açúcar de confeiteiro deixa tudo ainda mais lindo e ainda mais saboroso. Uma geleia da fruta, mais intensa, acompanhou todas as provas. Limpamos o prato e zeramos a vontade.
Seja em dezembro ou em julho, no inverno rigoroso ou no verão escaldante, para desfrutar de um banquete de feijoada ou adoçar a tarde com um cafezinho e uma mil-folhas, ter a Pâtissier como destino não tem erro. Você entrará em um culto à brasilidade, à cultura e ao comer bem. Siga meu conselho: não perca tempo!
PÂTISSIER MARCELO GONÇALVES
Endereço: Rua Marquês do Pombal, 128, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
Horário de funcionamento: de segunda a sábado, das 10h às 18h.
@patissiermarcelogoncalves