A atmosfera idílica, o tom romântico, os figurinos impecáveis. É fácil identificar os romances coreanos nas plataformas de streaming — especialmente porque, nos últimos meses, eles se popularizaram a tal ponto que é quase impossível não encontrá-los já nas páginas principais, entre os títulos mais assistidos. Inicialmente programas de nicho, os chamados doramas conseguiram furar a bolha e caíram de vez nas graças dos brasileiros.
— Se tu não queres te viciar, não começa a assistir — aconselha a auxiliar administrativa Talita Redel, 47 anos, que entrou na onda coreana em 2020, para acompanhar a filha adolescente, e hoje afirma que sua página na Netflix está "entupida" de doramas. — Eu tinha uma barreira no início, mas foi só assistir que me apaixonei.
Geralmente em formato de minissérie, entre 16 e 20 episódios, os doramas ficaram conhecidos no Brasil a partir das produções ficcionais da Coreia do Sul. Apesar de o país asiático produzir gêneros diversos, a comédia romântica é de longe o que mais faz sucesso. Em sua maioria, as tramas abordam amores complicados, mas também tocam em questões como bullying, desigualdade social e pressão familiar — em um estilo clássico de melodrama parecido com o que vemos nas nossas novelas.
No ano passado, o Brasil foi o quinto país que mais consumiu séries coreanas no mundo, conforme dados do governo da Coreia do Sul acessados pelo Box Brazil Media Group. O número é impressionante se pensarmos que essas produções chegaram aqui mais de uma década depois da hallyu, a "onda coreana", começar a se espalhar, primeiro por países da Ásia, depois Europa, América do Norte, Oceania e, por fim, América Latina.
— Os k-dramas (outro termo que se refere a séries coreanas) chegaram perto dos anos 2010 ao Brasil, nada disso em Netflix, HBO ou outra dessas grandes plataformas. A gente tinha um trabalho de fã para fã — explica Ligia Prezia Lemos, pesquisadora do Gelidis, grupo de pesquisa da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP). — O sucesso hoje tem a ver com a digitalização do mundo.
Nos últimos três anos, as plataformas de streaming notaram o fenômeno e começaram a investir nesse tipo de conteúdo, ampliando o acesso do público. A partir daí, a bola de neve não parou de crescer, e séries como Pousando no Amor e Uma Advogada Extraordinária viraram hits. Hoje em dia, o formato está sendo exportado mundo afora — já há, inclusive, um dorama brasileiro.
Lançada no último 20 de julho na HBO Max, a série Além do Guarda-Roupa foi produzida no Brasil, tem personagens brasileiros e se passa em São Paulo; mas tem ritmo, trama e estética semelhantes às das comédias românticas coreanas. Desde a estreia, a primeira temporada figura entre os conteúdos top 10 de exibição na plataforma no Brasil.
— A vontade da produtora (a empresa Coração da Selva) era realmente surfar na onda dos doramas, porque entendeu que o Brasil já consumia muitos doramas e percebeu vários pontos de tangência entre as novelas e os doramas, entre a cultura brasileira e a cultura coreana — conta Andrea Midori, roteirista-chefe da série.
Apostando na ambiguidade entre o novo e o familiar, Além do Guarda-Roupa traz, de um lado, elementos que estamos acostumados a ver nas nossas novelas, como os vários núcleos e os cenários tipicamente brasileiros. Por outro, nos põe ao lado da protagonista enquanto ela se permite se aproximar da cultura coreana.
— Estamos em um misto de série, novela e dorama — explica Andrea. — Fomos beber na fonte coreana em termos de ritmo, em termos da lente que a gente usou para contar a história. Por exemplo, nós mostramos todos os detalhes do relacionamento, porque, como nos doramas o beijo se dá só no final, temos que valorizar cada gesto, cada passo de aproximação e de distanciamento do casal.
Estratégia de sucesso
Mas, afinal, por que os doramas fazem tanto sucesso no Brasil? Para começar, nada disso é obra do acaso. É, sim, uma estratégia cultivada pelo governo sul-coreano desde o final dos anos 1990, quando identificou na cultura (e especialmente na música e na teledramaturgia) potencial de fortalecer a identidade nacional e exercer influência em outras regiões do globo. O país criou leis de incentivo, abriu cursos de comunicação nas universidades e enviou profissionais para estudar empresas de entretenimento de outros países.
Foi assim que, com o tempo, se formou a hallyu. Em diferentes linguagens, a cultura do país asiático quebrou recordes e provou ser capaz de bater de frente com a indústria norte-americana também no quesito qualidade — basta lembrar que, em 2020, o longa Parasita foi o grande vencedor do Oscar e, no ano seguinte, Round 6 se tornou a série mais assistida da Netflix.
Há, no entanto, especificidades do dorama romântico que fazem com que ele seja a aposta perfeita para a dominação coreana. Como um bom melodrama, as séries são facilmente assimiladas pelos mais diversos públicos, pois tocam em temas universais, com os quais qualquer pessoa se identifica, seja ela moradora de Seul ou de Porto Alegre. Além disso, são tramas curtas, com um ritmo acelerado que permite várias reviravoltas.
— Nunca tinha sentido emoções tão profundas e variadas vendo um programa de televisão — conta Rebeca Rocha, 35 anos, criadora de um grupo no Facebook com mais de 150 mil fãs de doramas. — Você ri, chora, sente raiva, sente prazer, sente pena, fica na expectativa... é um caminho sem volta.
Tem ainda o fator estético. Os doramas mostram paisagens deslumbrantes, figurinos bem trabalhados e incluem uma trilha sonora recheada de hits de k-pop.
— Gosto do fato de ser um conteúdo realmente de entretenimento. É fácil de assistir. Então, geralmente eu assisto quando estou cansada da faculdade ou do trabalho e quero algo para relaxar e desestressar — conta a estudante de Direito Débora Muller, 24 anos, que conheceu os doramas na adolescência e hoje em dia costuma maratoná-los pelo streaming. — Antes, eu procurava os episódios no YouTube ou ia atrás de algum link que alguma fã montava com os episódios — relembra.
As comunidades dorameiras nasceram no ambiente virtual por volta de 2012. Hoje em dia, elas já extrapolaram as telas e deram origem a feiras, clubes e cursos presenciais dedicados à cultura coreana. O sucesso no streaming é, portanto, apenas a crista da hallyu:
— Não foi a Netflix que trouxe o k-drama. Foi o k-drama que abriu o olho da Netflix — resume a pesquisadora Ligia. — Essa hallyu, essa onda coreana, já tem muitos anos. Hoje em dia a gente nem vê mais, porque é uma coisa que já funciona, já anda sozinha.
*Produção: Mariana Barcellos