Neil Gaiman gosta de dizer que, por 30 anos, sua missão foi impedir que más adaptações de Sandman chegassem ao cinema e à televisão. Mas, em 2020, a obra que ele publicou a partir de 1989 e que ajudou a mudar a percepção do que eram histórias em quadrinhos restava como uma das únicas grandes propriedades da DC a não ter versões para as telas. Fora isso, Game of Thrones e outras tinham provado que era possível fazer séries com efeitos especiais. E é assim que, finalmente, Sandman chega à Netflix nesta sexta-feira (5).
Neil Gaiman participou de todo o processo, colaborando de perto com o showrunner Allan Heinberg. A primeira temporada é baseada nos dois primeiros volumes, Prelúdios & Noturnos e Casa de Bonecas. No centro da história está Sandman (Tom Sturridge), ou Sonho, que governa o mundo visitado ao dormir e é membro da família de Perpétuos, que inclui Morte (Kirby Howell-Baptiste), Desejo (Mason Alexander Park) e Desespero (Donna Preston), entre outros. Sonho é raptado e fica preso por mais de cem anos. Quando finalmente consegue escapar, retorna para seu reino, o Sonhar, que passou por muitas transformações. Começa então sua jornada para restaurá-lo.
Sandman toca em temas como morte, mudança, poder, esperança, criação de narrativas, beleza e dor de ser humano.
— Eu sinto que é uma história sobre a humanidade — disse ao Estadão a atriz Vanesu Samunyai, que interpreta Rose Walker, uma jovem em busca do irmão desaparecido e peça fundamental na sobrevivência do mundo real e do Sonhar. — É um grande espelho que nos mostra quem somos, mas de uma maneira bem grandiosa e divertida.
Gaiman disse que não foi necessário fazer muitas modificações no material original.
— Fiquei surpreso ao voltar aos quadrinhos que eu comecei a escrever em 1987 e perceber como poucas coisas precisavam ser alteradas para torná-los atuais — disse Neil Gaiman em entrevista ao Estadão. — De várias maneiras estranhas, Sandman estava à frente de seu tempo, o que significava que tivemos de fazer menos cirurgias do que imaginávamos para torná-lo relevante agora.
Elenco
Desde o anúncio do elenco, houve muitos comentários sobre pessoas não brancas e mulheres fazendo personagens que eram brancos e homens nos quadrinhos. Por exemplo, Lúcifer, inspirado em David Bowie, é vivido por Gwendoline Christie. John Constantine agora é Johanna e vivida por Jenna Coleman. O bibliotecário Lucien é Lucienne (Vivienne Acheampong) e Morte é uma mulher negra.
— Neil sempre esteve muito conectado com a realidade de nosso mundo — disse Gwendoline Christie. — Então temos um elenco fantástico e diverso, tipos diferentes de vozes. Isso é empolgante para mim, é o que eu quero assistir.
Gaiman disse que a ideia foi ampliar possibilidades.
— Olhávamos os quadrinhos e perguntávamos: "Aqui temos um homem branco. Ele precisa ser homem? Precisa ser branco?" Às vezes a resposta era sim. E às vezes, não — contou.
Lucien, por exemplo, é uma entidade milenar que lá atrás foi o primeiro corvo de Sonho. Não havia razão para ser branco, nem homem.
— Sob nosso ponto de vista, isso significava que podíamos ver mais atores para o papel, de diferentes gêneros e tons de pele — disse Gaiman, que relatou que o mesmo aconteceu com Morte. — Não foi uma escolha de levantarmos uma bandeira e marcharmos pela diversidade.
O autor sabe que tem gente chiando e vira e mexe rebate algum fã no Twitter.
— Não fico chateado. O que digo é: "Não se preocupe, nós sabemos o que estamos fazendo. Se você assistir, vai perceber isso".
Tom Sturridge também compreende os fãs, por ser um deles.
— Nossa versão é feita por Neil Gaiman. Não é algo que ele passou para alguém. É a versão dele — disse o ator. — A responsabilidade de interpretar Sonho foi um peso, mas de uma certa forma conecta-se à responsabilidade de Morpheus com os sonhos de todos. Minha responsabilidade era para com os sonhos dos fãs de Sandman. Não é comparável no tamanho, mas é uma chave para entender o personagem.