Vilã e conservadora, Guiomar talvez seja uma das personagens mais diferentes já vividas por Denise Fraga. A artista faz parte do elenco de Boca a Boca, série brasileira que estreia na Netflix nesta sexta-feira (17) com uma trama sinistra e que bate, sem querer, com a realidade atual. No seriado, gravado em 2019, o contato físico também não é recomendado por conta de uma misteriosa doença que se espalha pelo beijo.
— Qualquer semelhança é mera coincidência — garante Denise, que revela ter tido certo receio pelo fato de o tema casar tanto com a pandemia do coronavírus:
— Eu acredito nessas vozes, que você pode entender como sinais. No início, eu fiquei pensando: "A gente vai falar de epidemia nessa hora, será que é uma faca de dois gumes?". Mas vale acompanhar. Insista, porque você vai ver para onde eles (personagens) levam essa questão — disse a atriz, em entrevista por telefone a GaúchaZH.
O vírus provoca uma epidemia na escola Modelo, localizada na fictícia Progresso, uma cidadezinha do interior onde o progresso só se restringe ao nome mesmo. Em uma sociedade já contaminada pelo conservadorismo, um grupo de adolescentes tenta viver seus desejos e conhecer seus corpos em plena puberdade.
A personagem de Denise Fraga é justamente a diretora do colégio, que fará de tudo para acobertar o problema na instituição que, também, só é modelo no letreiro.
— A Guiomar é bem diferente de mim. Ela não é exatamente uma vilã, daquelas duras e clássicas. Mas ela é uma vilã de alguma maneira. É uma mulher que tem um monte de coisa dentro dela e que justifica o que ela faz — descreveu.
Criada e dirigida por Esmir Filho (conhecido pelos filmes Alguma Coisa Assim e Os Famosos e os Duendes da Morte), a produção foi gravada há um ano, quando ninguém imaginava como seria 2020. Mesmo com a semelhança, em Boca a Boca, o vírus é explorado de uma forma mais fantasiosa e, como uma lupa, deixa à mostra os preconceitos e a falta de acolhimento da sociedade.
— Uma das coisas que eu fico feliz da série estrear agora é que você vai vendo que as pessoas vão olhando para si mesmas diante dessa situação. Há uma grande reavaliação da vida de cada um, tudo aparece, tudo é deflagrado. De alguma maneira, o que vence é o afeto — acredita a atriz.
Gravações em casa
Denise Fraga aguarda a estreia de Boca a Boca em casa, mas não pense ela que está parada.
— Estou trabalhando pra caramba — disse, rindo.
Antes da pandemia, a atriz estava percorrendo o Brasil com o monólogo Eu de Você, que estreou no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, em setembro de 2019. Com a turnê paralisada, o jeito foi trabalhar em família. Junto com o marido, o diretor Luiz Villaça, e o filho Pedro, levaram a peça teatral para o YouTube com a série Horas em Casa, onde Denise fala sobre histórias e sentimentos da quarentena.
— Ela é uma filha do Eu de Você. Surgiu das nossas inquietudes de quarentena. Não tem o link com as poesias, com as músicas, mas é uma colcha de retalhos de sensações. Coisa que eu gosto é de falar com leveza da tragédia.
Para Denise, os artistas têm a necessidade de serem espelhos das angústias, mesmo trancados em casa e utilizando os recursos disponíveis no momento.
— A arte é alimento. A arte, em tempos de crise, vira uma coisa essencial. Para a gente se entender e dar voz às angústias — conclui a atriz.