As primeiras cenas de Éramos Seis mostraram um passado idílico, como muita gente prefere lembrar. Um passado em que se convidava o carteiro para um cafezinho e que o maior problema que parecia afligir dona Lola (Gloria Pires), a protagonista da nova novela, era uma vizinha bisbilhoteira.
Claro que não era bem assim. Ainda no primeiro bloco do capítulo de estreia, uma sombra maior já se insinuou: as prestações da casa que Lola e seu marido Júlio (Antonio Calloni) compraram na elegante avenida Angélica. Mesmo com os dois se esfolando de trabalhar, o financiamento está cada vez mais difícil de ser pago. Para piorar as coisas, ele não recebeu o esperado bônus de final de ano (na década de 1920, não existia 13º salário).
A casa, quase uma mansão, é o cenário principal do romance de Maria José Dupré, e uma metáfora poderosa para os sonhos de ascensão da classe média. Júlio e Lola deram um passo maior do que as pernas, e sua luta para manter tanto o imóvel em dia como a família unida dão o mote do livro, que faz parte do DNA cultural da cidade de São Paulo.
A história é tão boa que já foi adaptada várias vezes para a TV. A última, em 1994, foi a melhor novela da história do SBT, com esmerada reconstituição de época e uma esplêndida Irene Ravache no papel principal. A memória dessa produção, ainda fresca para parte do público, é um dos obstáculos que a versão da Globo tentará superar.
Silvio de Abreu e Rubens Ewald Filho assinaram o texto do folhetim do SBT. O primeiro, hoje diretor de dramaturgia da Globo, foi quem decidiu por esta nova adaptação do livro da Sra. Leandro Dupré (como ela assinava as primeiras edições), agora a cargo de Angela Chaves.
A trama original não é exatamente leve. O próprio título já implica que alguns dos seis originais não chegarão até o final. Resta saber como Angela Chaves e sua equipe adequarão a saga de dona Lola para um horário em que muitas crianças estão diante da TV.
A roteirista já avisou que tornará Lola menos submissa, e que salpicará toques feministas em outras personagens. É normal que uma obra antiga sofra atualizações e acréscimos quando vai para a TV - foi o que aconteceu com as outras encarnações televisivas de Éramos Seis.
Como costuma acontecer nas estreias das novelas, quase que só o núcleo principal apareceu neste primeiro capítulo. As parentes de Lola que moram em Itapetininga - a mãe, Maria (Denise Weinberg) e as irmãs, Clotilde (Simone Spoladore) e Olga (Maria Eduarda Carvalho) - surgiram rapidamente na tela. Mas já são um ponto de tensão: a iminente chegada das três a São Paulo, para uma visita ao resto da família, deixou Júlio mais nervoso do que de costume.
O episódio terminou com o marido de Lola sentindo as dores de uma úlcera. Foi o teaser de uma das tragédias que estão por vir. Éramos Seis tem cara de folhetim de outras eras, em que o ritmo era mais suave e as emoções mais delicadas. Talvez seja o que o público procure neste momento.