Das tramas açucaradas nos finais de tarde à ousadia das 23h, passando pela comédia escrachada das 19h e os desafios do horário nobre, Walcyr Carrasco é artilheiro em todas as posições. Com a habilidade de quem conhece bem o público de cada faixa, o autor possui vários sucessos de audiência no currículo, além de um Emmy (Oscar da TV mundial) por Verdades Secretas (2015). Onipresente na telinha da Globo desde a sua estreia na emissora, em 2000, ele mantém a impressionante média de uma novela por ano desde então.
Qual é o segredo de Walcyr? É ele mesmo quem conta um pouco sobre isso a Retratos da Fama. Apesar da correria de escrever uma novela no ar — A Dona do Pedaço — o autor achou uma brechinha na agenda. Confira o papo com o novelista e relembre os trunfos de sua carreira.
Romance, humor e muita torta na cara
Walcyr fez dos finais de tarde o seu horário nobre. Não é exagero. Afinal, algumas de suas tramas exibidas às 18h tiveram tanta audiência quanto algumas novelas das nove.
No cardápio do autor, inspirações literárias, teatrais ou fatos históricos. Tudo começou com O Cravo e a Rosa (2000), até hoje considerada um dos maiores sucessos do horário. Baseada na peça A Megera Domada, de William Shakespeare (1564 – 1616), a história de Catarina (Adriana Esteves) e Julião Petruchio (Eduardo Moscovis) caiu nas graças do público porque o romance entre o caipira bronco e seu "favo de mel" foi construído bem aos poucos, com brigas, vasos jogados na cabeça, tortas na cara e outras guerrinhas de comida.
.Vale a pena rever
Aliás, esse tipo de cena virou tradição nas tramas de Walcyr. O sucesso foi tão grande que a novela das seis ganhou duas reprises no Vale a Pena Ver de Novo: em 2003 e 2013. Atualmente, está no ar pela quarta vez, agora pelo canal a cabo Viva, às 13h30min.
Doce e picante às 18h
Bem antes de Nina (Débora Falabella) tocar o terror em Avenida Brasil (2012), outra heroína vingativa ditava as regras na telinha.
Em Chocolate com Pimenta (2003), Ana Francisca (Mariana Ximenes) sofreu nas mãos dos ricaços de Ventura.
Seduzida por Danilo (Murilo Benício) e, pouco depois, trocada por uma menina rica, Olga (Priscila Fantin), Aninha se viu humilhada, abandonada e grávida. Graças à bondade do milionário Ludovico (Ary Fontoura), deu a volta por cima.
Reviravolta
Anos depois, milionária, linda e poderosa, volta à cidade para dar o troco em cada um de seus desafetos. O grande obstáculo desse plano era o amor por Danilo, que continuava firme e forte. Entre a elegância dos anos 1920 e a caipirice interiorana, o autor, mais uma vez, acertou em cheio. E emplacou outro sucesso.
Final fora do padrão
Das novelas das seis exibidas nos últimos 20 anos, Walcyr Carrasco só supera, em termos de audiência, a si mesmo. Depois de dois fenômenos, além de A Padroeira (2001), com bem menos repercussão do que o esperado, o autor bateu novos recordes.
Com Alma Gêmea (2005), alcançou índices dignos de horário nobre. Aliás, o último capítulo da história de amor de Serena (Priscila Fantin) e Rafael (Eduardo Moscovis) superou a audiência de Belíssima, novela das nove da mesma época. Segundo o site Terra na época, o Ibope marcou 50 pontos de audiência, com mais de 70% das televisões ligadas no final de Alma Gêmea.
Impactante
Com todos os olhares voltados para o desfecho da trama, Walcyr optou por uma saída inesperada. Não precisava mais de recursos para fidelizar a audiência, tampouco de artifícios cômicos.
Rasgou no dramalhão e nas cenas de impacto, com direito à vilã Cristina (Flávia Alessandra) morrendo queimada no casarão. O clímax ficou para os minutos derradeiros. Subvertendo a lógica, Rafael e Serena morreram juntos, não houve “felizes para sempre”. Porém, em uma emocionante sequência, teve o reencontro das almas gêmeas por muitas vidas.
A redenção do vilão
Logo em sua estreia no horário nobre, em Amor à Vida (2013), Walcyr criou o fenômeno Félix. Cheio de nuances e segredos, além de uma brilhante interpretação de Mateus Solano, o personagem caiu nas graças do público. Assim, o vilão, que começou jogando a sobrinha recém-nascida na lixeira, teve uma redenção emocionante e um merecido final feliz com direito a beijo em seu par, Niko (Thiago Fragoso).
A metamorfose de Félix não se deu de uma hora para a outra. Foi bem construída, aos poucos, com a ajuda de personagens carismáticos, como Márcia (Elizabeth Savala) e o “carneirinho” Niko.
Clima de final de Copa
O polêmico beijo gay, até então tabu nas tramas, enfim, rolou. A cena foi escrita com tanta delicadeza que não provocou estranhamento.
Pelo contrário! Havia um clima de final de Copa do Mundo na expectativa pela sequência.
Ousadia que rendeu prêmios
Em Verdades Secretas, Walcyr desvelou o submundo da moda, que passa longe do glamour das passarelas e capas de revistas. Book rosa, prostituição, estupro, violência e drogas foram algumas das feridas que o autor fez questão de expor, sem medo da polêmica.
A novela bateu recorde de consumo digital no país: foram 190 milhões de plays em trechos ou íntegras de capítulos. O último capítulo da novela das 23h teve 1,5 milhão de acessos na web, segundo o site Uol.
Oscar da TV internacional
Números estrondosos, já que, há três anos, o público não consumia tanto conteúdo na internet como ocorre hoje em dia.
A novela arrebatou público e crítica, com o Troféu APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), Melhores do Ano do Domingão do Faustão, Troféu Imprensa e o maior de todos: o Emmy Internacional.
Protagonista primata
A estrela de Caras & Bocas (2009) foi Xico — na verdade, Kate, uma macaca. Carismático, o animal roubava a cena e não se intimidava ao contracenar com grandes nomes da TV.
Pioneira
A primeira protagonista negra também foi mérito de Walcyr. Em Xica da Silva (1996), a então adolescente Taís Araújo, aos 17 anos, estrelava a novela da extinta TV Manchete com o papel-título.
"Sou preocupado com quebra de tabus"
Em quase duas décadas na Globo, Walcyr é o único autor a circular por todos os horários da teledramaturgia da emissora. Entre os seus colegas, alguns optam por ficar apenas no horário nobre, outros dão o ar da graça às 18h ou às 19h, mesmo se mantendo como titulares das 21h. Há quem, eventualmente, escreva minisséries ou superséries, aproveitando-se da ousadia dos finais de noite.
Mas o único "curinga" de todos os horários é Walcyr. Por isso, está sempre na telinha ao menos uma vez por ano. Imerso na história de A Dona do Pedaço, o autor achou um espacinho na agenda corrida para falar sobre a sua versatilidade e o seu pioneirismo.
Você tem escrito, praticamente, uma novela por ano, além de publicar livros, colunas em revista... Qual é o segredo para se manter tão ativo e, é claro, criativo?
Simplesmente, gosto de escrever, de criar. Como isso faz parte da minha vida, eu escrevo o máximo possível.
Você já escreveu novelas para todos os horários (18h, 19h, 21h e 23h). Tem alguma preferência por uma dessas faixas?
Nenhuma. Cada horário tem a sua característica e todos são estimulantes.
Você é conhecido por abordar certos tabus, como foi o caso do primeiro beijo gay e, agora, com a primeira atriz trans (Glamour Garcia como Britney) em uma personagem trans. Esse pioneirismo é proposital, já começa a escrever uma trama pensando em quebrar barreiras? Ou não?
Eu, pessoalmente, sou preocupado com quebra de tabus, com avanços sociais. Minha escrita reflete aquilo que penso.
Desde o início dos anos 2000, direto na telinha da globo! Quer ver?
Em 19 anos de TV Globo, Walcyr é presença constante na teledramaturgia. Seja como autor titular, coautor ou supervisor de texto, não houve um ano sem o dedo do novelista na telinha. Confira a lista.
— Junho de 2000 a março de 2001: O Cravo e a Rosa
— Junho de 2001 a fevereiro de 2002: A Padroeira
— Dezembro de 2002 a fevereiro de 2003: Esperança*
— Setembro de 2003 a maio de 2004: Chocolate com Pimenta
— Junho de 2005 a março de 2006: Alma Gêmea
— Outubro de 2006 a maio de 2007: O Profeta**
— Junho de 2007 a fevereiro de 2008: Sete Pecados
— Abril de 2009 a janeiro de 2010: Caras & Bocas
— Março a outubro de 2011: Morde & Assopra
— Junho a outubro de 2012: Gabriela
— Maio de 2013 a janeiro de 2014: Amor à Vida
— Junho a setembro de 2015: Verdades Secretas
— Janeiro a agosto de 2016: Êta Mundo Bom!
— Outubro de 2017 a maio de 2018: O Outro Lado do Paraíso
— Maio de 2019 até agora: A Dona do Pedaço
* Assumiu como coautor devido a problemas de saúde de Benedito Ruy Barbosa
** Supervisionou o texto das então estreantes Duca Rachid e Thelma Guedes