Enquanto crianças e adultos de cinco países andavam pelas ruas, hipnotizados, caçando Pokémons virtuais (ou, como os brasileiros, sofrendo crises agudas de ansiedade porque o jogo de realidade aumentada ainda não está disponível no seu celular), a Netflix colocava no ar uma série que celebra a última década em que as bicicletas ainda eram o maior sonho de consumo das crianças – e passar a noite brincando com amigos de carne e osso permanecia como a ideia mais bem acabada de diversão.
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Disponível desde sexta-feira para os assinantes do serviço de streaming, Stranger things retrata os anos 1980 em toda sua glória low tech, surfando na onda retrô que parece se alimentar exatamente das ilimitadas possibilidades de consumo nostálgico que a tecnologia oferece. De That '70s show (anos 1970) a Mad men (anos 1960), já encerradas, a Masters of sex (anos 1950) e The americans (anos 1980), ainda em exibição, muitas séries têm apostado nesse filão, mas talvez nenhuma tenha sido tão bem-sucedida no objetivo de alcançar públicos de idades diferentes: entre os muitos espectadores que passaram o último fim de semana devorando os oito episódios, estão tanto os cinquentões que eram adolescentes em 1983 quanto a legião de jovens e crianças que nunca gravou uma fita cassete ou assistiu a um televisor sem controle-remoto. A receita deu tão certo que, mesmo antes da estreia, a série já tinha uma segunda temporada confirmada.
A trama combina suspense, terror sobrenatural e a paranoia real da época: a Guerra Fria. Enquanto uma turma de garotos de 12 anos tenta descobrir o paradeiro de um amigo que desapareceu, os espectadores se divertem caçando pistas de referências aos anos 1980.
Steven Spielberg e Stephen King são as influências mais evidentes na trama, mas há diversão à vontade para quem se dedicar a identificar acenos dos criadores, os irmãos Duffer, para os ícones da época, a começar pelos dois adultos que lideram o elenco: Winona Ryder, no papel da mãe que não desiste de encontrar o filho, mesmo quando todo mundo acha que ela está ficando maluca, e Matthew Modine, o assustador vilão de cabelo platinado – ambos com carreiras que começaram na década de 1980 e se desaceleram nos últimos anos.
O segredo do sucesso de Stranger things, porém, não está na profusão de referências ou na trama de suspense (um tanto sem pé nem cabeça, para falar a verdade), mas no adorável elenco infantil, comandado por Millie Bobby Brown, no papel da misteriosa menina de cabelos curtos que tem poderes sobrenaturais. A turma de garotos não fica atrás, com desempenhos sobrenaturalmente graciosos e convincentes.
A série assusta os espectadores mais jovens com monstros e dimensões paralelas, diverte os mais velhos com a bem cuidada reconstituição de época e as referências oitentistas, além de mostrar para espectadores de todas as idades como a ciência pode ser sexy (o nome da cidade onde se passa a história não poderia deixar isso mais claro: Hawkins), mas é o puro prazer de contar com amigos de verdade que vai lembrar, a adultos e crianças, o poder mágico que nenhum Pokémon tem.