
Um estudo se propôs a investigar como os gaúchos negociam as transformações do mercado para preservar a autenticidade de suas tradições culturais, inclusive as relacionadas à música e à vestimenta.
Conduzida pelo professor Marlon Dalmoro, da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em parceria com a docente Lisa Peñaloza, da Kedge Business School (França), a pesquisa mostra que a cultura gaúcha não é estática, mas sim um espaço dinâmico de negociações constantes entre tradição e inovação.
— Comecei a analisar o consumidor gaúcho mais associado ao Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG). A principal conclusão é que, coletivamente, houve uma série de negociações para que as transformações promovidas pelo mercado fossem assimiladas ou recusadas — afirma o professor Marlon Dalmoro, de 43 anos.
O estudo foi publicado no Journal of Consumer Research, vinculado à Universidade de Oxford, um dos mais conhecidos periódicos científicos de marketing, que publica pesquisas acadêmicas com descrições e explicações sobre o comportamento do consumidor.
A pesquisa foi desenvolvida entre 2009 e 2018 e publicada em 19 de dezembro de 2024, com o título Sensemaking for Consumers’ Collective Political Agency (Sensemaking de mercado para agência política coletiva de consumidores, na tradução). O material está disponível neste link.
Negociação cultural
Conforme o estudo, as transformações na música e na vestimenta ilustram esse processo de negociação cultural por meio das práticas de consumo.
A Tchê Music, por exemplo, surgiu há 25 anos como uma fusão de ritmos populares – como axé, pagode e samba – com a música tradicional gaúcha. Os artistas e músicos trocaram as bombachas por calças jeans, o que gerou grande polêmica na época.
As tradições funcionam como uma lente, que vai se adaptando ao longo do tempo a partir das negociações. Não é uma lente rígida.
MARLON DALMORO
Professor da Escola de Administração da UFRGS
Naquele período, o MTG proibiu a participação desses artistas em eventos oficiais, desencadeando um intenso debate. Apesar da popularidade da Tchê Music, os consumidores passaram a enxergá-la de forma distinta da tradição gaúcha, e muitos músicos retomaram as vestimentas e estilos autênticos.
— A Tchê Music teve um ciclo de apresentações, mas depois acabou vindo a cisão. Os consumidores optaram por continuar consumindo aquela música entendida como mais tradicionalista — menciona o professor, dizendo que a proposta foi rejeitada coletivamente.
Aceitação da bombacha feminina
No caso da bombacha feminina, o desfecho foi diferente. Tradicionalmente, as mulheres usavam vestidos longos nos bailes, mas a introdução da peça trouxe mais conforto e praticidade.
Inicialmente proibida nos eventos oficiais, a bombacha feminina foi defendida pelo público, que argumentava que as mulheres já a utilizavam no campo e em cavalgadas. O debate levou à aceitação dessa mudança, observa Dalmoro:
— No primeiro momento, a bombacha feminina não foi bem aceita nos espaços do tradicionalismo. Essas negociações ocorrem ao longo do tempo e geram transformações que, ao mesmo tempo, auxiliam na preservação.
Segundo o professor, que participou de cursos de dança, rodeios e eventos em Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) para investigar o tema, a principal contribuição do estudo diz respeito justamente a essas negociações.
Para o docente, a pesquisa revela que a cultura gaúcha está em constante transformação, resultado de um equilíbrio dinâmico. Essas disputas no âmbito do mercado ajudam a definir o que é aceito ou rejeitado como parte da identidade e das práticas culturais.
— O consumidor utiliza suas tradições como uma base para negociar e decidir o que deseja ou não incorporar ao seu cotidiano de consumo. As tradições funcionam como uma lente que se adapta ao longo do tempo por meio dessas negociações. Não é uma lente rígida.