Julio Cesar Borba, conhecido na internet pela alcunha de Trulin, sempre se considerou "um cara engraçado", mas não imaginava um dia viver de fazer graça. Nascido e criado na periferia de Alvorada, na Região Metropolitana, ele acredita que a capacidade de "rir da própria desgraça" é inerente a quem cresce à margem — uma espécie de superpoder que ajuda a enfrentar as dificuldades diárias com mais leveza.
— Se a gente não passar por elas sorrindo, a gente vai passar chorando. Então vamos passar sorrindo, né? — reflete ele.
Depois de trabalhar como mecânico, servente de obras, entregador e gesseiro, o alvoradense de 31 anos se lançou em uma profissão que, até então, lhe parecia impensável: a de comediante. Fazendo piadas sobre o cotidiano na periferia, ele conquistou mais de 215 mil seguidores no Instagram e quase 630 mil no Facebook, onde fez sua estreia em 2018 com um vídeo que acabou por viralizar espontaneamente na rede social.
Na gravação, Trulin corre por uma rua deserta enquanto diz: "Bah, que loucura, padrinho. Nem sei porque eu corri, só sei que corri. Bah, azar, me espiei". O vídeo foi enviado em um grupo que ele mantinha com os amigos no WhatsApp, a título de piada interna, sem pretensão de ser publicado em nenhuma rede social, mas acabou vazando para o Facebook.
— Quem postou foi um cara que eu nem conhecia. Depois até viramos amigos (risos) — lembra Trulin.
A vida do alvoradense mudou completamente a partir daí — de modo que nem tinha como não fazer amizade com o responsável pela postagem. Com uma linguagem recheada de gírias, que são facilmente reconhecidas por quem vive nas periferias gaúchas, o vídeo caiu nas graças dos internautas e abriu inúmeras portas para Trulin que, à época, estava desempregado.
— Me acordei com o pessoal mandando mensagem, perguntando se eu tinha visto o vídeo, mas eu não estava sabendo de nada. Quando vi, tinha 200 mil visualizações e não parava mais de subir — lembra Trulin. — Eu ia seguir com a minha vida, mas a gurizada ficou insistindo para que eu criasse uma página e fizesse mais vídeos engraçados. Por livre e espontânea pressão, criei um perfil no Facebook. Em questão de um dia, já tinha quase 10 mil seguidores, e eu vi ali uma oportunidade de ganhar dinheiro. Até porque, desempregado, eu não tinha muita coisa para perder (risos).
Pelo contrário: Trulin ganhou muito. De lá para cá, toda a renda do humorista tem sido proveniente da comédia, que rendeu a ele vários contratos para divulgação de empresas ao longo dos últimos cinco anos, dentro e fora do Estado.
O fato de estar conseguindo se manter como comediante é uma vitória para Trulin — "Já são cinco anos fazendo a alegria do povo", ele brinca. O humorista sabe que a missão de se inserir no mercado de trabalho, longe da criminalidade, é sempre mais difícil para quem vem da periferia. Para ele também foi.
— O Julio Cesar, quem eu sou lá no CPF, passou por muita coisa para hoje poder ser Trulin. O Julio Cesar é um moleque humilde, sofredor, mas que sempre quis algo mais, que nunca se contentou com o que deram para ele. Eu diria que o Trulin é esse "mais" que o Julio foi buscar.
Nas sutilezas das piadas que faz, Trulin tenta chamar atenção para a realidade periférica. Em diferentes estilos de conteúdo, que vão de diálogos entre personagens até narração de vídeos virais, ele aborda temas leves como amizade, vizinhança e futebol, mas também tópicos como desigualdade e consumo de drogas. Da gravação à edição, tudo é feito por ele.
— A minha imagem, o jeito como eu falo, as gírias que eu uso, tudo isso é um diálogo direto com o povo da periferia — reflete. — Eu sempre tento falar dessa realidade de uma forma bem-humorada, porque é assim que nós lidamos com as dificuldades, tá ligado? A comédia para nós é a vida real. A gente passa por poucas e boas, mas sempre tentamos tirar algum proveito das situações.
Nesse sentido, Trulin se orgulha de ter sido um dos primeiros gaúchos a fazer comédia voltada para esse público, ao lado de nomes como Nego Di. O alvoradense celebra que a cena de comediantes periféricos esteja cada vez mais aquecida no Rio Grande do Sul e lembra que o cenário era outro quando começou: naquela época, as piadas sobre a periferia eram quase sempre feitas por quem não tinha conhecimento de causa, reforçando estereótipos.
— Quem vive na periferia sabe dos problemas, mas também sabe das coisas boas. Antes, as pessoas que faziam esse tipo de conteúdo faziam piadas sem sentido nenhum para nós — opina o humorista. — Eu acredito que, quando comecei, foi uma quebra, porque o pessoal começou a aderir ao conhecimento real de quem mora na periferia. Quem conhecia essa realidade, conseguiu se identificar. Já as pessoas que não tinham visão de como é, acabaram pegando a visão e vendo que não é só papo de criminalidade, que tem alegria, tem pracinha, tem criança jogando bola, tem churrasco, tem resenha...
O humorista pretende seguir levantando a bandeira do subúrbio por meio do humor. Ele acredita que o próximo passo de sua carreira será a migração das redes sociais para os palcos, por meio da comédia stand-up, mas pondera que ainda tem muita coisa para fazer na internet antes disso:
— Sinto que ainda não é o momento. Vou ficar na minha zona de conforto mais um pouco, divertindo o pessoal no online (risos).