No que mais parece um multiverso da loucura, Harry Potter, Salvador Dalí, Mickey Mouse, Princesa Leia, Homem-Aranha e Naruto perambulam livremente pelo mesmo ambiente. Enredo de alguma história em quadrinhos ou filme da cultura pop? Não. Apenas o primeiro dia da ComicCon RS (CCRS), evento que está sendo realizado neste fim de semana na Universidade La Salle, em Canoas.
Depois de dois anos sem ocorrer presencialmente devido à pandemia, a maior convenção de quadrinhos e cultura pop do Estado voltou a receber o público neste sábado (3). Pelas referências nas roupas, fotos tiradas com itens nerds e alta movimentação nos diversos espaços do evento, fica claro que os fãs ansiavam por esse reencontro.
Um dos principais atrativos do primeiro dia foi o desfile de cosplayers. Paola Carter – ou melhor, Paola Müller, 26 anos, veio de São Sebastião do Caí para participar do concurso como Capitã Carter, personagem da Marvel.
— Eu gosto muito de heróis e heroínas que não têm poderes, que são só f*dões por natureza. E o meu vingador favorito é o Capitão América, então eu já comecei a gostar da Peggy desde o início, e quando eu vi ela sendo a “Capitã América”, na série animada do What If, eu fiquei extasiada. É uma das minhas personagens favoritas — conta.
Além de ter o cosplay como hobby, Paola, que é autônoma, fez da paixão um trabalho e passou a atuar como cosmaker, isto é, confeccionar cosplays sob medida para outras pessoas por encomenda — com uma alta demanda em função da retomada dos eventos.
— Eu acho que é aquela satisfação de olhar no espelho e ver um personagem que a gente gosta e o brilho no olho das outras pessoas que estão vendo um personagem que elas gostam, que vem tirar foto e tudo mais — destaca Paola a respeito da motivação para se montar como um personagem.
A cosmaker costuma frequentar convenções de cultura pop. Nesta retomada da CCRS, gostou bastante dos cosplayers e do Artists Alley.
— A minha parte favorita é ver os outros cosplayers e desfilar, mas eu gosto muito também de ver os artistas, as artes, os desenhos, os quadrinhos originais. A criatividade do pessoal me deixa bem empolgada — conta. — Está bem divertido, bastante interessante, tem bastante variedade de artistas e atrações.
Nesta edição, diferentemente das anteriores, a arte de incorporar um personagem passou a ter maior destaque e uma grande procura pelo público, não apenas para se inscrever no desfile, mas para assisti-lo.
— Muita gente está vindo aqui para ver as apresentações de cosplay. Surpreende porque o forte da ComicCon RS sempre foram os painéis, é a primeira vez que existe um nicho forte de pessoas que chegam interessadas em ver o concurso de cosplay. E isso nos surpreende muito positivamente, porque é uma área que a gente sempre teve dificuldade de emplacar para esse público de quadrinhos, e que agora ele aderiu – comemora Émerson Vasconcelos, o criador da CCRS e jornalista.
Recorde de público
A própria procura pelo evento demonstra a animação do público após o fim do período mais duro da pandemia, durante o qual as pessoas se voltaram para a cultura como uma forma de escape. A alta circulação durante o dia surpreendeu os organizadores.
— A avaliação supera qualquer expectativa. Por fazermos em um novo local, depois de uma pandemia, a gente esperava ter uma volta ok, torcendo para que o público ainda estivesse aderindo a eventos de cultura pop, e a gente viu que sim, e até agora ele está aderindo mais do que no último sábado que a gente tinha realizado em 2019 — afirma Vasconcelos.
O Artists Alley foi um dos pontos altos do evento, com em média 120 artistas expondo seus trabalhos, a maioria gaúcha, sendo classificado como o maior Artists Alley da história do Rio Grande do Sul, conforme o organizador.
— Estamos um pouco surpresos, porque não se esperava o aumento de público, mas a gente está muito feliz também com o aumento de artistas, o quanto o cenário aumentou nos últimos anos — avalia.
Os painéis com artistas e especialistas sobre temas variados também costumam atrair muitos fãs dos quadrinhos. O bate-papo com Carlos Ruas, criador do fenômeno de humor da internet Um Sábado Qualquer, lotou o auditório, e a procura por seus trabalhos e por autógrafos foi intensa. Ele já participa do evento há quase 10 anos, mas não vinha pessoalmente desde 2013. A mesa de Rafael Fritzen, gaúcho de São Leopoldo, das tirinhas Ângulo de Vista, que conta com quase 700 mil seguidores, também foi muito procurada ao longo do dia. Ele fará um bate-papo no domingo. Bastante procurado também foi o bate-papo com Lucas Werneck, artista brasileiro da Marvel que é desenhista dos X-Men, como já era esperado.
A CCRS 2022 conta ainda com estandes de lojas geek, sessões de autógrafos, apresentações de k-pop e desfiles de cosplayers. Além disso, o público pode conferir salas temáticas de Star Wars e Harry Potter e espaços "instagramáveis" com temas como Stranger Things e O Estranho Mundo de Jack. Ainda é possível se deliciar com food trucks, que servem hambúrguer, churros, entre outras guloseimas.
E os fãs da cultura pop saíram do primeiro dia de evento com muitos itens novos para ler ou decorar o cantinho geek. A designer de experiência do usuário Giovana Bombardelli, 20 anos, voltou para Sapucaia do Sul com bolsas e quadrinhos, entre outras artes de artistas independentes. Já é a terceira vez que ela frequenta o evento, que anteriormente era realizado na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), motivada, sobretudo, pelo encontro propiciado com a cultura pop, bem como por estar perto de pessoas que compartilham os mesmos gostos e ter quase uma imersão dentro dos universos de que gosta.
— Eu gostei que tem muitos artistas novos que eu ainda não conhecia, gente que veio de longe mesmo, e os estandes estão muito legais também. Está muito bem organizado, tem sido uma experiência ótima hoje — declara Giovana.
Um desses artistas que veio de tão, tão distante — Jundiaí (SP) — foi o ilustrador freelancer Fabrício Cabral, 29 anos, conhecido como Kabral. Ele começou como artista independente em 2019 e costuma participar de eventos em São Paulo. Esta foi a primeira vez expondo na CCRS e a primeira vez no Sul — uma experiência que adorou.
— Estou sendo bem recebido tanto pelos artistas que estão participando quanto pelo público. Então, está sendo uma experiência bem legal. Estou curtindo, e provavelmente nas próximas edições eu vou estar presente — garante.
Kabral está tentando participar do maior número de eventos possível fora de São Paulo para se tornar mais conhecido e impactar mais gente com o seu trabalho. Ele avalia que a experiência de reencontrar o público é completamente diferente:
— É supergratificante, porque não é a mesma coisa que você ter contato com o pessoal na internet, por rede social. É legal você ter um feedback, você receber ali um elogio ou às vezes o pessoal comprar no seu site, na sua rede social, mas você ter o contato com a pessoa, conversar sobre a obra que você está vendendo, é outra coisa, é uma experiência única.
Continua no domingo
E domingo (4), o segundo e último dia da ComicCon RS, promete ainda mais. Haverá outro e igualmente aguardado desfile de cosplayers. As apostas estão também no bate-papo com Rafael Fritzen, que, segundo os organizadores, deve ser tão procurado quanto foi o de Carlos Ruas; no bate-papo com Vitor Cafaggi, autor das graphic novels da Turma da Mônica, que já teve uma alta procura, esgotando até mesmo seu novo lançamento, Franjinha: Contato; e um painel com a Grafistas Associados do Rio Grande do Sul (Grafar) sobre quadrinhos e democracia, com Santiago, Edgar Vasquez, Rodinério da Rosa, Rafael Corrêa e Lu Vieira, que gerou polêmica e, por esse motivo, a organização acredita que será um dos mais lotados.
— Vai ser uma grande celebração de como quadrinho, política e democracia têm de andar juntos — frisa Vasconcelos.
A programação completa do último dia pode ser conferida no site do evento.