SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Capturar para as futuras gerações como é estar vivo -e tendo como janela para retratar a vida as 24 horas do dia 24 de julho de 2010- foi a premissa de Ridley Scott e Kevin MacDonald, vencedor do Oscar de melhor documentário por "Um Dia em Setembro", quando lançaram, há dez anos, o projeto "A Vida em um Dia", realizado em parceria com o YouTube.
Em resposta, receberam 4.500 horas de filmagens, de 80 mil fontes diferentes, de 189 países em dezenas de línguas, que resultaram nos 90 minutos de "A Vida em um Dia", o filme, disponível no YouTube, que acumula mais de 16 milhões de visualizações desde então.
A audiência cresceu nas últimas semanas, depois que Scott, MacDonald e a empresa lançaram "A Vida em um Dia 2020", que integra a seção de conteúdo original da plataforma, o YouTube Originals.
A ideia atual segue a mesma toada de 2010. Em 25 de julho de 2020, filme seu dia, sua vida, com a câmera que tiver e envie para a equipe do filme, que vai selecionar, editar e montar o novo longa.
MacDonald assina a direção do primeiro "A Vida em um Dia" e Scott, que também produziu o primeiro longa, divide a produção executiva com o chinês Kai Hsiung.
Uma década depois, com o crescimento do acesso a celulares e à banda larga no mundo, o retorno neste ano deve ultrapassar as 4.500 horas --e assunto não vai faltar.
"O primeiro foi também o primeiro filme realizado com crowdsource [ou coletivamente]. Agora há muitos. Mas espero que a participação seja grande", adiantou o diretor. "Trinta editores vão assistir a todo o material; e eu, a partir disso, verei centenas de horas para selecionar o melhor", comentou MacDonald, que assina a direção do primeiro e também do segundo filme.
É um trabalho imenso e tempo exíguo, uma vez que a estreia de "A Vida em um Dia 2020" está prevista para o Festival Sundance, nos Estados Unidos, no início do ano que vem. Depois, o filme vai ao YouTube.
A equipe de "A Vida em um Dia 2020" aposta também na maior diversidade para o segundo longa. "Da primeira vez, mais da metade do material que recebemos foi dos Estados Unidos. Nos esforçamos para não fazer algo muito americano, mas ainda assim era. O primeiro 'A Vida em um Dia' era sobre quem tinha banda larga em 2010", comenta o diretor.
"O YouTube só tinha cinco anos e era predominantemente americano. Hoje em qualquer lugar no mundo todos têm um smartphone. Deste ponto de vista, poderemos ser realmente globais e representativos da vida no mundo em todas as classes sociais."
Em busca da diversidade, o projeto tem equipes em vários países, que o estão divulgando e contatando ONGs, coletivos e comunidades remotas.
"Em países como o Brasil, a Índia e a China, estão conversando com quem não está sempre conectado, como indígenas, moradores de regiões periféricas. E há pessoas que fazem o trabalho de encontrar representação de grupos normalmente não representados", conta MacDonald. "Ainda é preciso ter tempo livre e acesso à internet. Há quem não tem essa possibilidade, mas acredito que este filme vai ser muito mais representativo do que o primeiro."
O atual momento político do mundo também vai influenciar com certeza o conteúdo do novo "A Vida em um Dia".
"Olhando para trás, a sensação é de que em 2010 a gente era mais inocente e nossa atitude em relação à internet também. Hoje a internet tem um lado muito mais complexo e sombrio, assim como a natureza das relações e de como as pessoas interagem. A ascensão das mídias sociais mudou drasticamente a coisas."
Muito por causa disso, há o trabalho de priorizar os temas num ano em que a pandemia e agitações sociais e políticas tomam as ruas e o noticiário.
"Talvez a gente possa capturar isso. Está todo mundo revoltado com a política. Existe a Covid. São tempos muito mais ansiosos. Em 2010, estávamos saindo da crise econômica de 2008, mais otimistas. Agora, talvez as pessoas não se sintam assim, mas espero que haja algum otimismo."
O receio de que o novo filme seja quase monotemático em torno da pandemia existe, mas não assusta o diretor.
"Em março, pensamos na edição dos dez anos depois e achávamos que em maio a pandemia já teria acabado. O filme não vai ser sobre isso, mas agora sabemos que a questão é muito mais séria. E a Covid permeia a vida de todos atualmente", ele diz. "Sabemos também que há outros temas que nos preocupam, como o meio ambiente, o populismo na política, o Black Lives Matter, todos esses importantes movimentos políticos e sociais. É um momento fascinante e vamos ter um novo filme com um sabor totalmente diferente."
Os colaboradores da obra foram provocados com algumas questões. O diretor quer saber o que seus atores da vida real amam ou odeiam, o que têm no bolso e o que querem mudar. Segundo MacDonald, são pontos importantes e atuais. Por isso, considera estruturar o novo filme por temas, em vez do tempo, como o primeiro.
"Hoje parece que há muito ódio, em geral das pessoas contra partidos políticos, contra quem apoia partidos e políticos opostos. É o principal foco. Há também muito ódio nas redes sociais. É uma pena, mas talvez seja bom prestar atenção e analisar", observa MacDonald, que vê o projeto como um experimento antropológico. "A gente só está sentindo para que lado o vento sopra. São tempos muito incertos."
MacDonald pensa que deveria fazer um filme desses por ano e um filme inteiro só no Brasil, pois "há tanta coisa interessante acontecendo, tantos conflitos". Por isso, espera um material emocionante do país. "Da primeira vez, depois dos Estados Unidos, o Brasil foi o país que mais mandou vídeos. As pessoas adoraram a ideia. Talvez seja um povo lindo que adora filmar."
Enquanto não mergulha na edição de "A Vida em um Dia 2020", o diretor finaliza seu novo longa de ficção, "Prisoner 760", ainda sem data de estreia, que tem o elenco liderado por Jodie Foster, Benedict Cumberbatch e Shailene Woodley.
"É um triller de tribunal, passado em Guantánamo, baseado numa história real de um prisioneiro que foi mandado para lá", resume o diretor.