"Ele sabia que queria escrever algo grandioso, mas não imaginava que estaríamos aqui, 70 anos depois, debatendo seu livro". A confissão do escritor Luis Fernando Verissimo à reportagem ocorreu na noite de segunda-feira (9), no Teatro Eva Herz, na Livraria Cultura, em São Paulo, durante o lançamento da edição comemorativa de O Continente, primeiro volume da trilogia de O Tempo e Vento, escrito por Erico Verissimo e publicado em 1949.
Filho de Erico, Luis Fernando acompanhou da primeira fila o debate realizado pela Companhia das Letras, que reuniu o ator Tarcísio Meira e o escritor Luiz Ruffato. A mediação ficou a cargo da jornalista e tradutora Livia Deorsola.
— Estarmos aqui hoje é um ato de resistência pela cultura, que está sendo destruída pelo atual governo — disse Ruffato, antes descrever a gestão em voga como "a irracionalidade que chegou ao poder".
Ruffato conheceu a trilogia vasculhando os livros na casa de uma tia em Minas Gerais, ainda na adolescência. Ele diz acreditar que a história contada por Erico Verissimo não pode ser caracterizada como regionalista, lugar que ocupa ao lado de escritores como Graciliano Ramos, Jorge Amado e Rachel de Queiroz.
— Esse livro é o maior conjunto de reflexão histórica sobre a história política brasileira.
Para o escritor, no entanto, a magnitude da obra ainda não foi totalmente descoberta.
— Poucos puderam alcançar o patamar do Erico nesse livro. Talvez a falta de reconhecimento seja porque parte da crítica literária brasileira não goste e tenha preconceito com autores que fazem sucesso.
No total, O Tempo e o Vento possui sete volumes, divididos em três fases: O Continente (1949), O Retrato (1951) e O Arquipélago (1961). A trilogia narra a história do Rio Grande do Sul e do Brasil, a partir da cidade fictícia de Santa Fé, com as relações entre as famílias Terra, Caré, Cambará e Amaral. O percurso narrado pelo autor vai de 1745, com as missões jesuíticas, até 1945 e a chegada do Estado Novo.
Ao percorrer os séculos 18, 19 e 20, Ruffato diz que a história ajuda a construir um panorama do Brasil que se mantém até hoje.
— Os interesses de certa burguesia e aristocracia que se sobrepõe às necessidades da nação estão aí — comenta. — Não forjamos um senso de nação. Temos um país, mas essa nacionalidade talvez nunca tenha existido — completa.
Responsável pela leitura de alguns trechos de O Continente ao longo do evento, Tarcísio Meira, hoje aos 84 anos, chegou ao debate em uma cadeira de rodas, culpando a dificuldade de locomoção às três cirurgias realizadas no joelho esquerdo. Ele conta ter conhecido a obra durante uma viagem ao Rio Grande do Sul, entre 1963 e 1964. Vinte anos depois, quando a Globo decidiu fazer a minissérie O Tempo e o Vento, o ator foi convidado pelo diretor Paulo José para interpretar Rodrigo Cambará, um dos personagens centrais da trama.
— Eu já não tinha mais idade para viver um capitão jovem, mas o Paulo garantiu que eu ficaria bem no papel — conta. Ele tinha 50 anos quando interpretou o personagem, definido por ele como "o mais importante" da carreira.
Ao ser questionado sobre as características de Rodrigo Cambará, Tarcísio Meira afirmou que ele "namorava muito", mas ressaltou que o capitão "é o que todo homem gostaria de ser, e o homem que toda mulher gostaria de ter". Livia Deorsola, responsável pela mediação, retrucou: — Olha, hoje eu já não diria isso.