SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Na palestra "Feminismo Negro e a Política do Empoderamento", a socióloga americana Patricia Hill Collins defendeu que os recortes de gênero e de raça são fundamentais para a construção de uma verdadeira democracia.
A fala integrou a programação do seminário Democracia em Colapso?, promovido pela editora Boitempo e o Sesc Pinheiros, nesta quarta (16), em São Paulo. A conferência teve mediação da pesquisadora Winnie Bueno e comentários de Raquel Bueno, pesquisadora em história da UFF (Universidade Federal Fluminense).
Influente autora feminista, Collins ficou conhecida por apresentar, em 1990, o "Pensamento Feminista Negro" -obra que ganhou a primeira edição brasileira neste ano, pela Boitempo.
Para introduzir a política do empoderamento, a americana propõe uma reflexão ao público: Como você acorda todos os dias mesmo sem a garantia de vitórias?
Nascida na Filadélfia, filha de pai operário e mãe secretária, Collins conta que observar as mulheres negras de sua comunidade foi fundamental para a elaboração de seu pensamento.
"Elas tinham trabalhos que não eram legais, que pagavam mal e nos quais elas não eram reconhecidas. E, mesmo assim, elas iam trabalhar. Porque era importante. O que isso nos diz sobre a política do empoderamento? Hoje eu vou falar sobre uma política que observa para o mundo de baixo para cima e que encontrou uma forma de persistir mesmo sob situações extremamente difíceis."
Para Collins, nesse esforço perpétuo, mesmo diante das inúmeras dificuldades impostas a quem está abaixo nas hierarquias sociais de raça, classe, gênero, entre outros, há algo de brilhante, que ajuda a imaginar coisas que poderiam levar a uma democracia plena --em que todos sejam, de fato, iguais. E, para ela, o feminismo negro é essencial para criar as bases necessárias para isso.
A socióloga não entende que o feminismo negro seja uma resposta ou um desdobramento do feminismo branco --ou hegemônico, para citar Raquel Barreto. O pensamento feminista negro, ela afirma, surge da experiência de sobrevivência dessas mulheres.
A americana explica que o conceito de negritude surgiu com a diáspora africana -antes, essas pessoas eram simplesmente africanas de diferentes etnias. Tornaram-se negras ao deixarem o continente e serem transformadas em escravas. Isso forçou a criação de uma nova identidade sociocultural.
"Mesmo com morte, violência, pobreza e outras opressões, o povo negro não sucumbiu. O povo negro sobrevive", diz. Para ela, o conceito de liberdade para essas pessoas reflete suas aspirações políticas e tem implicações na democracia.
"É aqui que o feminismo negro está enraizado. Ele não surgiu de uma noção individualista, mas sim para lidar com essas grandes questões existenciais."
Ela explica que homens e mulheres negros compartilham algumas das violências que sofrem. Mas há também as específicas de cada gênero. No caso das mulheres, o estupro é um exemplo.
Importante nome do feminismo interseccional -que considera opressões de gênero, raça, classe e sexualidade--, Collins valoriza o coletivo em sua teoria. "Não faz sentido pensar em liberdade para os negros sem pensar no que isso significa para os homens e para as mulheres."
Ao final da primeira parte da apresentação, que durou cerca de duas horas, ela diz, em tom de brincadeira, esperar ter convencido o público de que o feminismo negro não tem a ver com o branco.
Ela elucida alguns dos pontos que considera essenciais para a política de empoderamento. É o caso da noção de esperança que as mulheres negras carregam, a importância da interseccionalidade, a ação diante da noção da injustiça social e a importância da expressão cultural como ato político.
"Nós vemos apenas como arte, mas algo que alimenta a alma também é política. Poder se manifestar através de música, de filmes também é política."
A conclusão é que a liberdade não é plena enquanto for resultado de opressão. Nem democracia, enquanto houver desigualdade. "Não houve atalhos para a política de empoderamento, do mesmo jeito que não há atalhos para a democracia."