VENEZA, Itália – A cada dois anos, na primavera, venho para esta cidade encharcada, embarco no vaporetto (embarcação utilizada como transporte público, que percorre os canais da cidade), sigo até um parque no extremo leste da cidade e entro em um grande prédio branco.
Este ano, tive problemas para deixar o edifício. Aqui, no Giardini della Biennale, o espaço principal da exposição de arte contemporânea mais longeva do mundo, a artista italiana Lara Favaretto envolveu o pavilhão central branco em uma nuvem densa de neblina artificial. As palavras "La Biennale", escritas acima da sequência de colunas, parecem borradas.
Melhor deixar que a nuvem de Favaretto seja o logotipo dessa bienal difusa, que agrupa muitos dos maiores nomes atuais do universo da arte, mas sem conseguir formar uma unidade consistente com eles.
Ralph Rugoff, o curador americano radicado em Londres, concebeu uma mostra cujo propósito é avaliar um presente nebuloso comum a todos, em que narrativas compartilhadas entraram em colapso e temos de lutar para encontrar nosso rumo. O evento criado por ele foi configurado de forma belíssima em alguns lugares, mas, em outros, o que se vê é uma exposição estranhamente indiferente. É atual e ao mesmo tempo segura e sem conexão. A 58ª Bienal de Veneza é uma edição morna, nebulosa, e eu gostaria de ter entendido seu objetivo.
É uma bienal jovem, que trouxe alguns dos grandes talentos da atualidade com menos de 40 anos, incluindo Neïl Beloufa, jovem artista franco-argelino; Njideka Akunyili Crosby, pintora nigeriana radicada em Los Angeles; Ed Atkins, o artista de videoarte britânico; e Kemang Wa Lehulere, uma estrela em ascensão da África do Sul.
Pela primeira vez, se não me falha a memória, todos os artistas expostos aqui estão vivos. Rugoff renunciou a quaisquer tentativas de dar novo vigor a antigos nomes esquecidos, manobra usada normalmente por curadores para dar forma ao plano de ataque de uma bienal.
Mas os 79 artistas e coletivos aqui são quase todos conhecidos. E uma porcentagem desalentadora das obras já tinha sido exposta em Nova York, Los Angeles, Londres ou Berlim. Ademais, o globalismo das duas últimas edições foi negligenciado em detrimento de uma aprovação institucional prévia do Ocidente.
Saí de lá tendo descoberto literalmente dois artistas promissores que não conhecia: Handiwirman Saputra, indonésio cujas esculturas desconexas – incluindo colunas irregulares e laços cor-de-rosa que são como fitas gigantes de borracha – simbolizam contrastes de escala, formato e superfície surpreendentes; e o jovem e promissor fotógrafo indiano Soham Gupta, que faz retratos empáticos e noturnos das pessoas que vivem à margem da sociedade, em Calcutá.
Uma bienal abarrotada com os grandes nomes do mundo da arte da atualidade poderia funcionar, supostamente, se tivesse sido organizada e analisada com as novas audiências em mente – grande parte do público, afinal de contas, estaria descobrindo esses artistas pela primeira vez.
Se as duas últimas edições fizeram reivindicações estridentes no caminho do futuro da arte (para o bem em 2015, para o mal em 2017), a Bienal de 2019 se mostra [...] um resumo passivo de preferências recebidas, dominado pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido.
Não foi o que aconteceu nessa exibição de fracas associações. Ela se desdobra em uma cascata desconectada de objetos e imagens em galerias, por vezes, negligentemente sem propósito. Se as duas últimas edições fizeram reivindicações estridentes no caminho do futuro da arte (para o bem em 2015, para o mal em 2017), a Bienal de 2019 se mostra como o equivalente artístico do "Top of the Pops" (programa musical da TV britânica que repercutia a parada de sucessos do Reino Unido): um resumo passivo de preferências recebidas, dominado pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido.
O efeito artístico da exposição de Rugoff – aliás, um que funciona muito bem no papel – é ter reduzido o número de participantes e ter pedido a cada um que contribuísse com, pelo menos, dois trabalhos, expostos em apresentações combinadas em dois lugares diferentes.
No maior deles, o Arsenale (antigo complexo de estaleiros de Veneza), ele desenvolveu um sistema de paredes de madeira compensada que elimina a sensação de labirinto de ratos de edições anteriores. Instalações maiores conseguiram salas amplas, incluindo a intrigante obra do artista Kaari Upson, de Los Angeles, que investiga as pressões psicológicas das moradias por meio de moldes de móveis feitos de carbamato de etila e performances insanas em vídeo.
Mas, no pavilhão central do parque Giardini, encoberto por névoa, os mesmos 79 artistas ocupam menos de um terço do espaço. Há um excesso de arte preenchendo um número muito reduzido de galerias. E a densidade força Rugoff a fazer justaposições que resultam em soluções desorganizadas e frívolas.
Outra forma de interpretar esse formato duplo, mais cínica, seria como uma apólice de seguro, já que, nesta Bienal, um artista só precisa atingir uma meta de 50% de êxito para ser considerado um sucesso. Como, por exemplo, Arthur Jafa, cineasta americano que ganhou o Leão de Ouro este ano pelo filme de 50 minutos "The White Album", exibido no Giardini.
Com essa obra imponente (que já tinha sido exibida no Museu de Arte da UC Berkeley e no Pacific Film Archive), Jafa intercala uma profusão de cenas que encontrou de americanos brancos exibindo armas e gritando como loucos com imagens mais simpáticas de amigos seus. O filme faz uso da mesma trilha sonora meticulosa e edição certeira de seu filme de estreia "Love Is the Message, the Message Is Death", mas dá um passo além ao casar raiva política com vulnerabilidade pessoal, união que provavelmente vai horrorizar a audiência majoritariamente branca da Bienal.
Ao mesmo tempo que Jafa foi digno do Leão de Ouro simplesmente pelo trabalho em "The White Album", sua contribuição no Arsenale foi expor grandes pneus acorrentados (que já tinham sido exibidos na Gavin Brown's Enterprise em New York), traduzindo o racismo americano em símbolos literalmente de chumbo.
Para salvar o dia, tem Stan Douglas, artista canadense de inteligência singular, cuja instalação em vídeo "Doppelgänger" usa dois projetores, um de cada lado de uma tela translúcida central, para traçar uma narrativa sobre mecânica quântica e personalidades que foram cindidas. Uma astronauta é teletransportada para uma espaçonave, mas algo dá errado ao longo do caminho; ela é clonada e seus colegas na Terra entram em pânico, temendo que cada astronauta possa ser um gêmeo alienígena do outro. (O roteiro é todo baseado, de maneira muito espirituosa, em uma frase que pode ser lida de duas maneiras diferentes, dependendo de onde você estiver sentado: pelo viés marxista, LIVE REIFIED TIME [VIVA O TEMPO COISIFICADO] – ou, pelo inverso, pelo viés satânico EMIT DEIFIER EVIL [PRODUZA O DEMÔNIO ENDEUSADO].)
Christoph Büchel, o maximalista suíço, trouxe ao Arsenale destroços de um pequeno barco que virou no Mediterrâneo em 2015, quando pelo menos 800 africanos se afogaram. O barco está ancorado na água e resguardado por uma autoridade policial. Encarar essa armadilha mortal fez com que eu me sentisse impotente e pronto para trocar a arte por uma nova carreira em leis migratórias. O próprio ato de contemplar sua força como uma obra de arte parece indecente.
Ornamentando a Bienal, está a massiva realização do pavilhão lituano, onde Rugile Barzdziukaite, Vaiva Grainyte e Lina Lapelyte apresentam a ópera "Sun & Sea (Marina)", em que um elenco de 20 pessoas canta ao vivo em inglês em uma praia artificial. (Se você for este ano, tente estar em Veneza durante um sábado; a performance só se realiza uma vez por semana.)
A elegia ambiental, merecidamente ganhadora do Leão de Ouro de melhor apresentação nacional, traduz as bizarrices das mudanças climáticas com um coral agradável. Por dias, após assistir a ela, me peguei entoando uma passagem em que um banhista comemora de forma despreocupada que, no último Natal, "não houve geada, nem neve, / parecia Páscoa!".
O fim do mundo, como propõem os lituanos, pode nos atingir tão gentilmente como uma música pop. Pode até ser que fosse essa a pretensão de Rugoff ao intitular essa edição da Bienal "May You Live In Interesting Times" (Que Você Viva em Tempos Interessantes). Essa apócrifa maldição chinesa aponta para os perigos do que parece benigno. Entretanto, como ele sabe bem após muitos anos vivendo em Londres, a palavra "interessante", dita com a sobrancelha levemente arqueada, é também usada pelos britânicos como eufemismo para "estranho", "inesperado" ou "ruim".
Esta Bienal está interessante.
—
Informações:
Bienal de Veneza 2019
Até 24 de novembro; labiennale.org.
Por Jason Farago