MOSSUL, Iraque – No fim de março, nesta que é uma cidade arrasada pela guerra, alunos do curso de teatro andavam com cuidado até o local de ensaio, passando por pedaços de concreto, evitando escadas que poderiam ceder, contornando poças de água fedorentas e sempre mantendo distância de homens armados. Não se podia confiar em ninguém, nem mesmo naqueles de uniforme.
"Não precisamos interpretar uma tragédia. Essa peça simplesmente fala da realidade de Mossul", declarou Mustafa Dargham, de 19 anos, apontando para as paredes em ruínas do antigo Instituto de Belas-Artes durante o intervalo do ensaio de "Oresteia", trilogia escrita por Ésquilo na Grécia antiga. Dargham estava escalado para uma versão da obra adaptada pelo diretor de teatro suíço Milo Rau e sua companhia de teatro NTGent, baseada em Ghent, na Bélgica.
As tragédias gregas podem ter 2.500 anos, mas os diretores de teatro continuam achando que elas são extraordinariamente ressonantes, às vezes transportando-as para cenários contemporâneos ou procurando outras maneiras de enfatizar como o orgulho e a paixão, sejam eles antigos ou modernos, podem depauperar e arruinar uma sociedade.
Rau deu um passo além. Em um manifesto provocador publicado quando assumiu o teatro, se comprometeu a ensaiar ou encenar uma peça por ano em uma zona de conflito, uma ideia inclusiva cujo propósito é redefinir o teatro para que os clássicos sejam redesenhados para um século 21 marcado pela guerra e pelo terrorismo.
Neste caso, a empreitada tenta fundir a tragédia de Mossul com a da Casa de Atreu, a dinastia no centro da trilogia. O resultado é a versão "Orestes em Mossul", cujo foco recai em um tema permanente: o ciclo de vingança e a dificuldade de exorcizá-lo. Na interpretação de Rau, a cidade iraquiana quase se transforma em uma personagem, testemunha da devastação causada pela vingança e pelos obstáculos – físicos e espirituais – de reconquistar um estado civilizatório.
Não é fácil para os atores iraquianos conseguir vistos para viajar ao Ocidente, por isso a produção completa combinará trechos filmados deles discutindo e ensaiando a peça em Mossul com performances ao vivo de sete atores europeus, sendo dois de origem iraquiana. O espetáculo estreou em 17 de abril no NTGent e já tem datas agendadas por toda a Europa até o fim do ano.
"Eu queria abordar o significado da tragédia, em que toda decisão é equivocada e não há boas escolhas", explicou Rau.
Em muitos aspectos, ele não poderia ter escolhido um lugar melhor para mostrar isso. Aqui, a invasão, a conquista e a derrota perpetradas pelo Estado Islâmico resultaram em uma cidade de vítimas e agressores, onde alguns têm ao mesmo tempo ambos os papéis.
Os primeiros dias de ensaio começaram com a equipe do NTGent arrastando uma grande mesa para o desolador pátio externo do prédio, hoje usado pelo programa de teatro do instituto. Stefan Bläske, o dramaturgo, e Rau instalaram seus computadores em uma ponta da mesa e trabalharam no roteiro. O estilo que Rau imprime aos roteiros é flexível. Tanto em "Orestes em Mossul" como em muitos de seus outros trabalhos, ele mescla trechos do texto original com o material obtido pela equipe em pesquisas e com as discussões que tem com os atores.
Mossul, uma das cidades mais cultas do Iraque, ainda mal consegue funcionar como uma unidade administrativa. A maioria dos residentes receia estar prestes a entrar novamente em guerra. O regime do Estado Islâmico não apenas lhes subtraiu o estilo de vida, como também a alma da cidade. Livros foram queimados; as artes, banidas; todos os prazeres, proibidos.
No prédio em que Rau filmou por três dias, os figurinos de produções passadas estavam quase todos soterrados nos destroços, molhados pela chuva que entra pelos buracos tanto no telhado quanto nas paredes.
No prédio em que Rau filmou por três dias, os figurinos de produções passadas estavam quase todos soterrados nos destroços, molhados pela chuva que entra pelos buracos tanto no telhado quanto nas paredes. Suleik Salim Al-Khabbaz, diretor do programa de teatro do instituto e responsável por tocar o oud (instrumento de corda muito característico dos países árabes) na produção do NTGent, apontou para um longo pedaço de cabelo castanho-claro quase camuflado na poeira do concreto. "O cabelo de Ofélia", sussurrou, acrescentando: "Eu era Hamlet."
Para os alunos do curso de teatro, a maioria dos quais nunca tinha lido a "Oresteia", foi necessária uma lousa para esquematizar a história, os personagens e o que estava em jogo.
Resumindo: na primeira peça, Agamemnon, que sacrificou a própria filha para garantir que sua frota pudesse partir para a Guerra de Troia, retorna depois de dez anos e é assassinado pela esposa. Na segunda, o filho deles, Orestes, e a filha, Electra, descobrem a verdade sobre a morte do pai; Orestes se vinga da mãe e do amante dela. Na peça final, Orestes é perseguido até o templo de Atena pelas Erínias, deusas antigas que queriam que ele pagasse pelo assassinato da mãe. Lá, Atena preside o júri; no fim, são os cidadãos de sua cidade, Atenas, que dão o veredito.
Johan Leysen, de 69 anos, ator belga de cinema e de teatro, estava ali para o papel de Agamemnon. Mas também assumiu a responsabilidade de instruir os alunos. Com a ajuda da atriz alemã-iraquiana Susana AbdulMajid, intérprete de Cassandra, cuja família é originária de Mossul, tentou desenhar as árvores genealógicas complexas das famílias e explicar o papel do coro no drama grego.
Durante os intervalos, ele ficava com os atores jovens, acompanhava-os aos ensaios e trabalhava para equilibrar o treinamento cênico deles – que envolvia muita dança estilizada – com movimentos e expressões mais familiares às audiências europeias. Leysen parecia intuir as intenções do diretor, mas se mostrou humilde diante das dificuldades de trabalhar em diferentes culturas. "Não tenho ilusões de entender alguma coisa apenas nas duas semanas em que ficarei aqui – sou um turista, um estrangeiro", disse suavemente.
Um aspecto da adaptação que previsivelmente causou comoção foi a decisão de Rau de fazer com que Orestes e Pílades, melhores amigos na terceira parte da trilogia, se beijassem na boca. Um ator ocidental e outro iraquiano radicado na Holanda interpretaram os dois homens. Alguns dos alunos iraquianos homens do curso de teatro, que interpretavam as Eríneas, demonstraram desconforto, e até mesmo indignação, quando precisaram assistir à cena.
Os europeus e os iraquianos discutiram a diferença entre o beijo real e o cênico. Mesmo assim, muitos jovens atores demonstraram preocupação com algo supostamente "contra nossa religião" – ou que poderia ser entendido pela comunidade como tolerância aberta à homossexualidade, que muitos no Iraque acreditam ser uma aberração. Por fim, Rau concordou que haveria o beijo, mas este seria modificado.
A última cena da peça – o julgamento de Orestes – foi aquela em que a visão de Rau e Bläske do teatro como um meio de abraçar mundos diversos se provou especialmente arrebatadora.
Ésquilo pergunta se Orestes deve morrer por ter matado a mãe ou ser perdoado. Na versão da última cena gravada em vídeo, Dargham e sete de seus colegas de turma, no papel do júri, chegam a um impasse sobre a decisão quanto ao destino de Orestes.
Khitam Idress, de 59 anos, professora e atriz em meio período, cujo marido foi assassinado pela Al-Qaeda, posicionou-se com tamanha força em meio aos escombros do prédio de belas-artes que parecia crescer para além de seu 1,52 metro à medida que anunciava: "Meu voto vai para a paz. Essa sequência de mortes deve acabar."
Naquele momento, parecia um voto a favor da vida, da esperança, da cidade de Atenas e da cidade de Mossul.
Em cenas gravadas do mesmo júri, formado pelos estudantes de teatro, discutindo o destino dos assassinos do Estado Islâmico, raiva e paixão eram reais. "Assim como eles nos sentenciaram à morte", insistiu um aluno, "eles devem ser sentenciados à morte." Outro contestou, argumentando que a decisão deveria ser dos tribunais. Na hora de votar, ninguém levantou a mão em apoio à pena de morte; entretanto, ninguém conseguiu votar a favor do perdão também.
Quando os dez dias de Dargham com o grupo NTGent acabaram, ele, que se inscreveu no programa de teatro do instituto sem querer, disse almejar ser ator agora. Contudo, confessou, prefere a comédia à tragédia.
"No começo, a experiência foi difícil, mas adoramos o grupo belga e o trabalho com eles", relatou, falando dos colegas de turma também. "Quando eles terminaram e se foram", acrescentou, "nos sentimos solitários, fomos impactados por eles."
Por Alissa J. Rubin