No Largo Zumbi dos Palmares, a voz doce de Flor disputa um lugar de prestígio entre as buzinas dos carros presos em um engarrafamento na Avenida Loureiro da Silva. A jovem de 18 anos não garante a atenção no grito, mas no conteúdo: declama um poema carregado de crítica social pelo viés feminista e sob a ótica da mulher de periferia. Depois da performance de Nathália Silveira – seu nome de batismo –, o público aplaude, os jurados levantam suas placas com notas e outro competidor é chamado para mostrar sua poesia. Essa é a cara do poetry slam, movimento que tem se consolidado nas ruas e em bares de Porto Alegre. Hoje, há quatro grupos que promovem as competições de poesia falada na Capital: o Slam Peleia, o Slam das Minas, o Slam RS e o Slam Chamego.
Apesar de ter uma disputa nacional há três anos e também contar com um campeonato mundial na Europa, o slam ainda é desconhecido de boa parte do público fora do centro do país. O movimento chegou na capital paulista em 2008 pelas mãos da atriz-MC, slammer e pesquisadora Roberta Estrela D'Alva. Após se aproximar do conceito nos Estados Unidos, país berço dos encontros que começaram nos anos 1980, em Chicago, Roberta idealizou o ZAP! Zona Autônoma da Palavra, considerado o primeiro poetry slam brasileiro – nos próximos meses, ela deve lançar um documentário sobre o tema. Quase uma década depois, o movimento entrou com força no sul do Brasil, assim como no Norte e Nordeste.
– O crescimento da cena veio da necessidade que as pessoas estavam de falar. Na verdade, de terem suas vozes ouvidas. O slam faz isso – explica Roberta, que lançou o livro Teatro Hip-Hop (2014), no qual também mergulha na história do slam.
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Cada competidor tem três minutos para apresentar um poema de sua autoria. Durante a performance, não são permitidos adereços, figurinos ou acompanhamento musical – o time de jurados geralmente é escolhido na hora. Os poemas costumam ser carregados de crítica social: denúncias sobre racismo, violência policial, machismo, preconceito e situações enfrentadas pelas minorias aparecem com frequência em discursos inflamados e emocionantes.
– Nossa formação é indígena, basicamente oral, além dos negros e de Portugal e Espanha. O slam promove esse encontro com a nossa própria tradição – afirma Roberta.
Outro nome expoente do movimento é Mel Duarte. Para a poeta, que venceu o último Rio Poetry Slam, há uma retomada recente do espaço público pelo jovem, assim como uma aproximação das discussões políticas – tudo isso na carona das manifestações que tomaram o país em junho de 2013. Fazendo as vezes de ágora poética do século 21, o slam acabou conquistando seu lugar.
– Temos um levante da juventude na questão de pensar em questões políticas e sociais. O slam é democrático, ocupa a rua e faz acontecer. Esse contexto fortalece o movimento, as pessoas viram que era possível – explica Mel.
Das redes para o espaço público
Os slams gaúchos costumam ter a resposta pronta sobre como conheceram o movimento: via redes sociais e vídeos na internet. No Rio Grande do Sul, o primeiro a se estruturar foi o Slam das Minas, no fim de 2016. Daniela Alves da Silva, 28 anos, e a amiga Vanessa Oliveira, 32, começaram a acompanhar o trabalho do Slam das Minas de Brasília. Inspiradas no coletivo exclusivo para a apresentação de mulheres, a dupla organizou a primeira edição da versão gaúcha.
– Pensamos em trazer esse espaço acolhedor. A gente queria fazer rap de menina, mas vimos que várias não queriam batalhar, só que muitas têm poesia guardada. O slam consegue ser mais abrangente – conta Daniela.
Na sequência, outros slams surgiram por aqui. Marina Minhote, 24 anos, é uma das idealizadores do Slam Peleia. No início, os encontros reuniam cerca de cinco competidores. Hoje, já chegam a 20.
– Não queríamos batalhar, não era nosso perfil. E o sarau ainda é muito acadêmico. O slam devolve a poesia para a rua – ressalta Marina.
O clichê do "público eclético" se encaixa bem nos encontros do slam. Na última edição do Peleia, por exemplo, um casal com pelo menos o dobro da idade da maioria dos jovens presentes chamava atenção. Carmem Salazar, 54 anos, e Jaime Rodrigues, 72, viram o evento no Facebook e decidiram conferir in loco. No fim, foram até jurados.
– Amamos poesia. Acho uma ferramenta ótima para usar na educação e sair das formas convencionais de ensino – afirma Jaime. – É a expressão da rua mesmo, livre e democrática – completa o urbanista.
Além dos grupos da Capital, há também os coletivos do Interior: o Slam da Montanha, de Caxias do Sul, o Slam Liberta, de Esteio, o Slam Poesia, de Pelotas, e o Slam Novo Hamburgo. As edições ocorrem mensalmente e com entrada gratuita.
PRÓXIMOS SLAMS
25/8 – Slam Peleia, às 19h, no Largo Zumbi dos Palmares (Avenida Loureiro da Silva, 1.660), em Porto Alegre
26/8 – Slam Liberta, 19h, na Casa da Cultura Hip Hop (Rua José Guimarães), em Esteio
3/9 – Slam Chamego, 18h, no Viaduto do Brooklyn (Avenida Loureiro da Silva, 2.001), em Porto Alegre
9/9 – Slam RS, às 20h, no Chalé da Praça XV (Praça Quinze de Novembro, s/nº), em Porto Alegre