Semana passada, além da morte do Luiz Melodia – "Disseram no jornal, televisão / que eu não gosto mais de samba / Jornal, televisão está no ar / mas eu sou bamba, bamba!" –, dois outros cancionistas brasileiros ocuparam o centro da cena cultural.
Caetano completou 75 anos, e aqui em Porto Alegre o secretário da Cultura, meu querido amigo Luciano Alabarse, publicou um texto comparando a coragem do baiano em afrontar a opinião média – "Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder?" – com a atitude também confrontativa do prefeito da Capital. Salvo esse aspecto, em que é possível concordar mas num nível perfeitamente abstrato, não acompanho a opinião do Luciano. Mas meu ponto é o Caetano ser trazido à cena para falar de política.
Também Chico Buarque foi alvo de conversas intermináveis. Tendo lançado uma nova canção nas redes, foi atacado por um texto inteligente, embora muito parcial (bit.ly/chicocaroline2). Para Caroline Barrueco, que considerou as letras das canções como opiniões do cidadão Chico, trata-se de um machista.
Não tardaram reações, a mais articulada das quais foi de Talita Correa (bit.ly/chicotalita). Com um repertório de exemplos muito mais amplo, ela demonstra que Chico não é machista.
(Digo eu: Chico tem é uma enorme capacidade de empatia, que alimenta uma impressionante verve narrativa, nas canções talvez mais do que nos romances. Caetano corre em outra pista: quase nunca narra; o que ele faz é ensaio em forma de canção, para defender teses mediante reflexão sobre casos específicos, muitas vezes pessoais.)
Olho para a cena, dou três passos para trás e tento enxergar o conjunto da coisa. E, bá, demonstrou-se mais uma vez que nossa conversa pública é com ela, a canção. Se fôssemos franceses, é provável que nosso bate-boca ou nossa argumentação citasse filósofos, sociólogos, historiadores, romancistas; se alemães, filósofos; se ingleses, ensaístas, mas também políticos; se argentinos, escritores. Mas somos brasileiros, e por essa realidade elementar nossa leitura do mundo é atravessada por, e articulada em, canções. Elas nos expressam, nos explicam o mundo; elas são a grande arte brasileira.