Talvez por nunca ter investido na carreira solo, Zé Flávio é o menos badalado entre os grandes guitarristas gaúchos. Como compositor de melodias inspiradas, assina pelo menos três clássicos dos Almôndegas, Sombra Fresca e Rock no Quintal, Canção da Meia-Noite e Amor Caipira e Trouxa das Minas Gerais, mas poucos ligam seu nome à gênese da banda que revelou Kleiton & Kledir.
Somente agora, depois de ultrapassar 40 anos de estrada, ele enfim lança o primeiro disco com o nome Zé Flávio na capa, o potente Fingerprint, reunindo sua variedade de impressões digitais – mesmo mesclando gêneros, o estilo é único. E ele não precisa pensar muito para definir-se.
– O disco tem uma cornucópia de coisas, pois durante muito tempo toquei covers. Também é totalmente anos 1970, não saí de lá ainda. E nasci para tocar em banda.
A primeira banda liderada por ele foi o Mantra, de rock instrumental, sucesso nos lendários concertos Vivendo a Vida de Lee de 1975 a 1977. Depois, passou a integrar, no Rio, a última formação dos Almôndegas, que gravou outras canções suas. Por breve tempo chegou a tocar no Bixo da Seda e na banda carioca O Peso, antes de ser convocado para acompanhar Kleiton & Kledir em shows e discos – é dele o solo de guitarra em Deu Pra Ti, por exemplo. E de 1987 a 2000, seus solos, riffs e caretas ajudaram a consagrar um dos mais notórios grupos de covers da noite porto-alegrense, Os Totais, que chegou a lançar um CD em 1998.
Com Fingerprint na rua, Zé Flávio já se questiona sobre o que virá daqui pra frente:
– Tô indo pro lado da guitarra instrumental, mais pop. Adoro Carlos Santana.
Não por coincidência, o disco tem quatro temas instrumentais, sendo um na abertura, En la Noche, balada jazzy que lembra... Santana, e outro no fim, a esplêndida versão psicodélica de Canção da Meia-Noite. Amor Caipira e Trouxa tem só os violões de Zé e a bela voz de Marcelo Delacroix. Outro convidado, Thedy Corrêa também manda ver em Sombra Fresca e Rock no Quintal. Kleiton e Kledir não poderiam faltar: estão na inédita Sorriso Amarelo e seu ar de Almôndegas.
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Mas tanto no blues Portal e Janelas como no rock Margarida do Brejo Zé mostra que pode, e deve, cantar suas músicas. Com a ajuda e a competência do produtor musical Nico Bueno, ele se cercou de um timaço: Luciano Leães, Veco Marques, Chico Ferretti, Amauri Iablonovski, Bebeto Mohr, Matheus Kleber, Júlio Rizzo, Rafa Marques e Clóvis Pires. Para arrematar, capa e design gráfico de Ricky Bols. Zé Flávio e seus fãs merecem.
FINGERPRINT
De Zé Flávio
Independente, R$ 30 em minuanodiscos.com.br
Edzul viaja no tempo
Bento Gonçalves, 1981: quatro adolescentes entram na onda mundial e montam uma banda de rock. Mas, ao contrário de outras tantas da cidade, esta era uma banda de música autoral. Sucesso na região.
Em 1986, o sonho de gravar um disco se desfaz com o fim da Edzul. Cada integrante toma um rumo, logo serão empresários e profissionais liberais. Mas aquela experiência foi tão marcante que, 30 anos depois, reunidos para o aniversário de 50 anos de um deles, obviamente falaram dos velhos tempos.
Assim, no início de 2016, começou a renascer a Edzul, com quatro cinquentões decididos a reviver o último show da banda, com hard rock setentista. E fizeram um projeto, aprovado pela Secretaria da Cultura de Bento Gonçalves, que deu origem ao DVD, CD e livro de fotos Edzul Dream 35 Anos – Um Sonho Nunca Morre!
André Seben (guitarra, violão, voz), Mauro Munari (guitarra, voz), Ney Massolini (baixo) e Osmar Bottega (bateria), dois deles há muito sem tocar seu instrumento, tiveram que se superar nos ensaios para, viajando no tempo, reproduzir a antiga sonoridade da banda.
Gravado no Anfiteatro Casa das Artes, em dezembro passado, o show (com público empolgado) mostra que eles levaram a sério o reencontro, além da música tornando-o um depoimento geracional. Nos extras do DVD, que incluem prosaicas cenas familiares, cada um relembra o passado, comenta a vida que passa e revela a vontade de seguirem se apresentando, pois o reencontro os enriqueceu até mais do que imaginavam. Camaradagens assim são sempre motivadoras.
DREAM |35 ANOS
De Edzul
Altemir Filmes, caixa com DVD, CD e livro de fotos e recortes de jornais, R$ 100. Contatos no Facebook edzul35anos.
Antena
MATO CERRADO
De Mato Cerrado
A cena musical de Pelotas sempre surpreende. Vem de lá o primeiro álbum do power trio formado em 2010 por Yuri Marimon (guitarra, voz), Wysrah Moraes (baixo, voz) e Felipe Nobre (bateria), todos estudantes da UFPel. Mesmo com idades na casa dos 25, a inspiração deles está em músicos e bandas dos anos 1960/70. Citam Jimi Hendrix, Cream, Led Zeppelin, Ten Years After, as brasileiras (praticamente desconhecidas dos jovens roqueiros de hoje) O Terço, Casa das Máquinas e Som Nosso de Cada Dia. Mas o sotaque é de rock gaúcho. Os três são convincentes no som pesado, barulhento, rápido, uma guitarra furiosa, vocais berrados e letras como a do rock'n'roll Aquele Morto Não Sou Eu, que se apropria de um trecho de Johnny B. Goode (Chuck Berry) e diz assim: "Sinto que eu tô chegando/ Mas não sei muito bem onde/ E pra isso eu tô cagando/ Se eu tô perto ou tô longe/ Eu tô indo pra natureza selvagem/ .../ Vai Johnny, vai, vai". Outros destaques são a instrumental Entrando no Mato, que abre o disco, o hard blues Mais Uma Noite, a progressiva Barca de Couro – comentário de 11 minutos sobre a história de Pelotas, com suas charqueadas e escravos. No segundo semestre a Mato Cerrado deve apresentar o show em Porto Alegre. Independente, R$ 25, à venda no Facebook da banda. Disponível nas plataformas digitais.
SIEMPRE TRUE SIEMPRE BLUE
De Sergio Diab
Depois de tocar durante 10 anos na banda de Toni Platão, em seu primeiro disco, Stratoman, de 2014, o guitarrista carioca Sergio Diab já dava uma ideia dos rumos que poderia tomar seu trabalho solo. Ele definia aquele como um trabalho instrumental "fácil de ouvir". A intenção e o gesto se completam em Siempre True Siempre Blue, álbum construído como a trilha-sonora de um fugaz drama de amor entre Soledad, uma mulher da vida, e WJ, um justiceiro fora-da-lei, em uma cidadezinha do Velho Oeste na fronteira México-Estados Unidos. WJ acaba mata os coronéis do lugar, e... mas não vou contar a história, ela está no encarte. O disco é dedicado a Ennio Morricone, que entre muitas outras criou as mais famosas trilhas dos westerns made in Italy. Usando ritmos mexicanos, bolero, cumbia, reggae e até samba, pautados por sua cantante (e brilhante) guitarra, trompetes de mariachis e camas de teclados, Diab faz um trabalho ao mesmo tempo instigante e muito divertido. As músicas têm títulos como Spaghetti, Forastero, Cabronita, El Gambazón, Chimichurri, La Carioca (o samba) e Ganja (o reggae). Participam músicos como Sacha Amback, Wlad Pinto e Altair Martins. Dan Dugmore e Richard Bennett, notáveis guitarristas americanos de country music, fazem participações especiais. MCK/Warner Chappell, R$ 22 e plataformas digitais.