A reportagem A Noite da Cultura (DOC de 20 e 21/5) e o editorial Uma Noite como Deveriam Ser Todas (ZH de 23/5) enaltecem a Noite dos Museus. O que foi visto como sucesso eu vejo como... o suspiro da morte dos museus. O que é isso? É a situação relatada por quem cuida de pacientes sem perspectiva de cura. Nessas situações, mesmo com a morte anunciada, o doente às vezes tem uma melhora inexplicada, o que ocorre antes do desenlace fatal, como se buscasse energias para se despedir. Não é o que acontece com os museus?
Todos conhecemos o estado moribundo dessas instituições. E eis que, por um pequeno milagre, num único dia, eles mostram sua vitalidade. Não estamos todos nós, ao participarmos da Noite dos Museus, ocupando o lugar dos familiares de um quase-morto, cercando nossos museus como quem oferece a eles o derradeiro conforto? Esse evento é uma ação localizada que reduz a dor do paciente terminal antes de seu passamento. Não seria também um aceno para o capital privado, chamado a patrocinar a iniciativa sob o argumento de que o museu é mais um espaço de entretenimento e divulgação de marcas?
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O problema da Noite dos Museus é esse: os locais e suas exposições constituem apenas o acessório, sendo o show musical o verdadeiro espetáculo a chamar o público. O projeto seduz porque substitui a visita às exposições pela visão de seu artista preferido. E, com esse estratagema, esquecemos que os museus estão repletos de problemas. A Fundação Iberê Camargo, por exemplo, agora só atende sextas e sábados. Fechar as portas não seria a forma exata de um museu morrer? E quanto ao Museu Júlio de Castilhos, com seus pisos e teto devorados por cupins – não estaria desaparecendo ante nossos olhos?
O MAC-RS sequer tem um corpo para chamar de seu, já que há 25 anos não tem uma sede definitiva.
É preciso apontar a hipocrisia do capital em celebrar a vitalidade falsa desses equipamentos no momento de sua maior crise estrutural: o Museu de Comunicação José Hipólito da Costa está com sua infraestrutura em frangalhos, o Memorial do RS tem equipe reduzida e, nos museus do interior, a situação não é diferente. Por que o capital não os ajudou antes, financiando reformas nos prédios? Hipocrisia: vamos ao museu, bebemos, ouvimos música, mas o que aprendemos das exposições? O que sabemos dos problemas de seus funcionários? O que nos dispomos a compartilhar com eles como luta? Muito pouco.
Pior é o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), que vive na ilha da fantasia. A Semana dos Museus, promovida pela instituição, tinha como tema Dizer o Indizível em Museus. A proposta apelava a assuntos comuns ao pós-modernismo, multiculturalismo e imaginário na atividade museológica, forma de despolitizar as discussões dos trabalhadores dessas instituições, alienando-os da desmontagem dos equipamentos culturais. No recente 7º Fórum Nacional dos Museus (FNM) deu-se o mesmo. O tema Caminhos para Museus e Coleções propôs usar criatividade, cooperação e parcerias com a iniciativa privada, novamente ocultando que o verdadeiro problema é outro: a ausência de políticas públicas.
Em carta datada de 6 de março, José Ribamar Ferreira, presidente da Associação de Centros e Museus de Ciência, apontou ao ministro da Ciência e Tecnologia Gilberto Kassab o verdadeiro "indizível" do Ibram: os museus sofrem um processo intencional de abandono por parte do poder público, com menos recursos, concursos e apoio em geral – é isso o que o governo não quer dizer.
Outra voz a alertar para essa situação veio com o manifesto Pelo Direito à Cultura: Nenhum Direito a Menos, lançado durante o FNM e assinado pelo Utopia Museal Coletivo Plural, que denuncia a mentira vendida pelas autoridades de plantão em todos os níveis. Segundo o coletivo, o Rio Grande do Sul reproduz a mesma política de desmonte usada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que adota o perfil neoliberal nefasto aos museus visando a transformá-los em espaços de lucro.
Em reportagem veiculada no Fantástico, da TV Globo, em 2 de abril, constatou-se a substituição de monitores da Pinacoteca do Estado de São Paulo por gravações de áudio que auxiliavam estudantes que viam as obras com fones de ouvido conectados aos seus smatphones. Ora, essa face "moderna" não tem como objetivo a demissão de profissionais, os monitores, imprescindíveis para qualquer processo pedagógico sério? Precarização do trabalho, troca das pessoas por aparatos tecnológicos, substituição do conhecimento por informação – isso tudo significa o fim da experiência do museu, e não o seu contrário. Museu não é loja. Museu é escola.
O massacre cultural verificado atualmente é também um massacre das instituições. E os museus estão no meio do campo de batalha.