Não é preciso ver todos os indicados ao Oscar para sair da sessão de A Qualquer Custo com a convicção de que o longa de David Mackenzie é um dos destaques da safra de títulos lançados às vésperas do maior prêmio da indústria do cinema.
Estreia desta quinta-feira no circuito brasileiro, o filme faz uma releitura dos velhos faroestes, gênero norte-americano por excelência, atualizando a reflexão sobre a identidade do país hoje liderado por Donald Trump. Com lindas imagens de um Texas ao mesmo tempo moderno e arcaico, atuações nada menos do que impressionantes e um tom satírico que incomoda à mesma medida que faz pensar sobre as relações pessoais à sombra dos preconceitos que insistem em se fazer presentes.
A história é a de dois irmãos que acabaram de perder a mãe. Um deles é um fora da lei recém-saído da prisão (Ben Foster, o ótimo mas nem sempre valorizado ator de O Mensageiro). O outro, interpretado por um surpreendente Chris Pine (o novo Capitão Kirk de Star Trek), é mais introspectivo e responsável. É o inocente da dupla, se é que se pode usar esse adjetivo. Para quitar uma dívida hipotecária da família, leva a cabo um plano que consiste em, por assim dizer, usar a expertise do mano para cometer pequenos e sucessivos furtos em várias agências bancárias texanas.
Após os dois primeiros assaltos, um velho xerife local (Jeff Bridges, indicado ao Oscar de ator coadjuvante) logo saca os planos dos irmãos. E, junto ao parceiro (Gil Birmingham), trata de caçá-los, buscando antecipar seus próximos passos.
O roteiro de Taylor Sheridan, o mesmo do ótimo Sicario (2015), acompanha paralelamente os passos das duas duplas. Seus diálogos são carregados de humor negro, especialmente na relação entre os dois policiais – o personagem de Bridges "brinca" a toda hora com o fato de que o colega é descendente de mexicanos e indígenas, despejando piadas ofensivas que por vezes ecoam em outras situações, caso de uma conversa entre eles e uma vítima dos roubos que, ao ser perguntada sobre qual a cor dos criminosos, rebate, escancarando a repugnante crença na superioridade branca: "Cor da pele ou da alma?".
Nesse momento, o espectador há de se perguntar quem, de fato, é vilão nessa história.
Filme atualiza mito do caubói
Em uma sequência de fuga, os dois irmãos anti-heróis trocam tiros com o segurança e um cliente do banco. A movimentação chama a atenção e, em questão de segundos, eles se veem perseguidos por uma verdadeira gangue de homens com seus chapéus de vaqueiro, armas em punho e caminhonetes 4x4.
É natural associar a imagem da turba ao que seria um exército de justiceiros em meio ao que restou do Velho Oeste, até porque, em diversos outros filmes (de Easy Rider a Drive, passando por Mad Max), o cinema já estendeu o mito do caubói a contextos mais contemporâneos e até mesmo futuristas, substituindo os cavalos pelos veículos motorizados.
O título original de A Qualquer Custo é Hell or High Water, algo como "(Vamos nessa), faça chuva ou faça sol" – um resumo do espírito das jornadas de ambas as duplas. Além da indicação de Bridges, o longa também concorre aos Oscar de melhor filme, montagem e roteiro original. Bem podia ser lembrado pela fotografia de Giles Nuttgens, que explora com cores quentes e planos abertos as paisagens desérticas e naturalmente cinematográficas da região, ou pela trilha sonora de Nick Cave e Warren Ellis, com suas belas releituras do riquíssimo cancioneiro country.
Mas o que fica mesmo do filme, mais do que o êxito no que se convencionou chamar de categorias técnicas, é a contundência do retrato de certas tensões históricas que não esmorecem. E que se mostram responsáveis pelo empobrecimento (material e de espírito) da vida naquele contexto.
A QUALQUER CUSTO
De David Mackenzie
Ação, EUA, 2016, 102min.
Em Porto Alegre, nesta primeira semana (de 2 a 8 de fevereiro) pode ser visto no Cinemark Ipiranga, no GNC Moinhos e no Espaço Itaú.
Cotação: ótimo.