A maior cantora do Brasil tem muitas razões para abraçar e agradecer: os 50 anos de carreira e 70 de vida de Maria Bethânia estão sendo celebrados desde 2015 com uma turnê nacional, homenagens do Prêmio da Música Brasileira e dos nordestinos da Feira de São Cristóvão, no Rio, exposição de artes plásticas no Paço Imperial e até enredo de escola de samba. Culminando as comemorações desse "biênio bethaniano" – mas ainda não o encerrando –, a gravadora Biscoito Fino acaba de lançar o CD e DVD duplos Abraçar e agradecer, que registram o show homônimo apresentado em agosto em São Paulo.
Além das 41 músicas do espetáculo – como de hábito, costuradas com textos e poemas ditos por Bethânia –, o DVD traz extras como uma exibição da mostra Maria de todos nós, que reuniu obras de 160 artistas inspiradas no universo da intérprete, e cenas do desfile da Estação Primeira de Mangueira, campeã do Carnaval carioca de 2016 com o enredo Maria Bethânia, a menina dos olhos de Oyá.
Outro item precioso nesse lançamento é um livreto com mais de 60 fotografias, incluindo imagens enviadas pelos fãs de apresentações da abelha-rainha, cujo projeto gráfico é de Gringo Cardia. No texto de introdução, o jornalista, compositor e produtor musical Nelson Motta relembra que testemunhou o marco zero da carreira de Bethânia: dia 13 de fevereiro de 1965, no Rio, quando a estreante baiana de 18 anos substituiu pela primeira vez Nara Leão no musical Opinião. "Foi uma comoção. Um impacto surpreendente para um público acostumado com as interpretações bossanovistas e discretas de Nara, ouvindo pela primeira vez, e bem de perto, aquela voz tão poderosa e tão dramática, e ao mesmo tempo tão doce e encantadora, que não se parecia com nenhuma outra (...) Eu tinha 20 anos e a primeira vez com Bethânia nunca se esquece", escreveu Motta.
O caudaloso repertório de Abraçar e agradecer inclui canções de todas as épocas da trajetória de Bethânia, inéditas ou não na sua voz, e temas compostos especialmente para ela nessa comemoração por Paulo Cesar Pinheiro e Dori Caymmi (Viver na fazenda e Voz de mágoa), uma versão inédita de Nelson Motta (Eu te desejo amor) e a francesa Non, je ne regrette rien, clássico do repertório da cantora Edith Piaf. Há espaço também para compositores novos, como a paraibana Flavia Wenceslau (Silêncio), e músicas de seu mais recente disco de estúdio, chamado Meus quintais (2014) – caso de Dindi, Xavante, Casa de caboclo e a que deu título ao show. Claro que não ficaram de fora muitas das canções famosas na interpretação de Bethânia, escritas por grandes compositores como Caetano Veloso, Chico Buarque, Roberto e Erasmo Carlos, Dorival Caymmi e Gonzaguinha.
Com direção e cenografia de Bia Lessa e luz de Binho Schaefer, Abraçar e agradecer talvez seja o espetáculo mais sofisticado que a cantora já mostrou nessa longa trajetória – o piso de LED, por exemplo, funciona como um telão, exibindo imagens e cenas que dialogam com as músicas. É assim que, sob seus pés descalços, Maria Bethânia retraça no palco um caminho que ainda tem muito chão pela frente.
Entrevista
Maria Bethânia, cantora
O que você achou do DVD?
Eu, como sempre, não vi, só o começo e o final, com as leituras da Renata Sorrah, porque a Bia (Lessa) me pediu para eu aprovar. Outra coisa que eu fiquei muito feliz foi a ideia do Gringo (Cardia) de colocar fotos das pessoas da plateia. É quem mantém a carreira do artista, é lindo ver como eles me veem no palco.
Você não assistiu ao DVD porque não gosta de se ver em cena?
Não gosto de me ver (risos). Não gosto porque para mim já passou. Se eu olhar, vou pensar: "Podia ter feito isso de outro modo". Para mim, já foi.
Isso é perfeccionismo?
Não apenas. Ontem, por um acaso, fui ouvir um disco meu por causa de uma canção que eu precisava, um solo de um músico. Eu não ouço nada meu, é muito raro isso. Ouvi a música e disse: "Que bonito isso". Em seguida, entrou a próxima faixa e eu pensei: "Se fosse hoje, não poria essa". Você entendeu? Muda o pensamento, eu não sou a mesma de 10 anos atrás, não sou a mesma de ontem.
Abraçar e agradecer foi seu espetáculo mais produzido?
Eu queria comemorar os 50 anos de carreira em grande estilo. Caaaro... (risos) Mas valeu a pena. Queria comemorar com as pessoas que eu amo, com as músicas, com meu pensamento atual.
Nesse período, você também esteve envolvida em vários projetos com literatura, como o programa de TV em quatro episódios Poesia e prosa e uma leitura de textos em Maputo, em Moçambique, ao lado do moçambicano Mia Couto e do angolano José Eduardo Agualusa.
A turnê dos 50 anos terminou, e a leitura tomou a frente. Foi interessante notar como as pessoas querem ouvir palavras faladas de poetas brasileiros e de língua portuguesa. Achei Maputo muito parecida com Santo Amaro, na sua pobreza e na sua alegria. Que povo lindo!
Ao mesmo tempo em que revisa sua carreira no show, você também canta Non, je ne regrette rien, música sobre alguém que quer esquecer o passado recomeçar do zero. Como você se sente hoje?
Eu sou bem a música da Piaf, mas também olho muito para trás. Presto muita atenção no que eu fiz. Presto muita atenção nos meus passos, mas não gosto de repeti-los.
Abraçar e agradecer
De Maria Bethânia
Biscoito Fino, R$ 59,90 (CD) e R$ 69,90 (DVD).
Cotação: 4/5