Metáforas são perigosas, ainda mais nas páginas de um jornal. Há duas semanas, contei a história de um lagarto que, acuado, levantou-se nas patas traseiras e parecia prestes a atacar. No final da coluna, afirmei que isso acontece com animais em geral, e que o ser humano é um animal. Cabe, portanto, à sociedade tentar evitar que indivíduos fiquem acuados e partam para a violência. A reação de alguns leitores foi bastante crítica e dois argumentos básicos surgiram. O primeiro: homens não são animais, muito menos répteis, porque possuem livre-arbítrio. O segundo: a sociedade – em sua maioria formada por pessoas "de bem" e trabalhadoras – não tem responsabilidade alguma sobre um contexto econômico e cultural que gera exclusão.
Pois bem, vou defender minha metáfora. Atenção, companheiros de espécie: somos animais, sim. Nosso comportamento não pode ser explicado apenas pelas ciências sociais. Somos produtos da história e também da nossa (muito mais) longa evolução biológica. Temos livre-arbítrio? Sim, mas há controvérsias sobre o quanto ele é realmente livre frente a nossos instintos. A neurociência é bastante assustadora em algumas de suas descobertas. A racionalidade não comanda o mundo como um monarca absoluto, e é preciso ler Darwin depois de ler Descartes. Quem desconhece esses dados fundamentais da natureza humana exibe uma ignorância jurássica.
Quanto à inocência das "pessoas de bem" – argumento neoliberal até a medula, que pede ao governo que tire de circulação (de preferência com um tiro) todos os répteis que circulam pelas ruas –, aí está um debate político de primeira grandeza. Tiranossauros são predadores irrecuperáveis e vivem à procura de vítimas para o jantar. Há os que acreditam que devemos prender todos e jogá-los numa jaula (mas seria melhor matá-los). E há os que acreditam em ações que combatam os tiranossauros e, ao mesmo tempo, evitem que pequenos lagartos, acuados, pensem em fazer besteira e sigam os caminhos dos primos gigantescos. Sou do segundo time. Tenho medo dos tiranossauros e sei que eles devoram sem pensar o que estiver pela frente, inclusive lagartos menores. Mas, resumindo, na selva em que vivemos, crendo ou não em livre-arbítrio, convém não aumentar o número de predadores.