Óculos escuros, paletó ajustado, sorrisos para todos. Ricardo Darín chegou assim a Punta del Este para encontrar jornalistas antes de receber o 3º Platino de Honra, grande homenagem dos Premios Platino del Cine Iberoamericano, entregues no último domingo no balneário uruguaio. Ao conceder uma entrevista coletiva para quase 300 pessoas, o ator argentino se manteve simpático e atencioso, chamando quase todos os interlocutores de amigos. Sua grande diferença, inclusive em relação a outros astros em escala global, já seria perceptível em seguida: Darín domina o espaço que ocupa não só pela presença física, mas pela habilidade com que faz uso das palavras, dosando em suas manifestações humildade e conhecimento sobre os temas que arrisca comentar.
É verdade que ele não arrisca muito. Ao menos foi como tudo sucedeu no encontro com a imprensa, no palco do Centro de Convenções de Punta, onde foi realizada a cerimônia de domingo, e no tapete vermelho, onde conversou com repórteres de emissoras de TV da Espanha, dos EUA e de toda a América Latina – devidamente cercado de outros jornalistas e de alguns curiosos.
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Darín manifestou repetidas vezes seu engajamento com a causa do cinema ibero-americano, que afinal é a razão da existência dos Premios Platino. Demonstrou modéstia ("Não posso crer que eu mereça tudo isso", sentenciou, sobre a homenagem que estava recebendo). E não fechou as portas para nenhum tipo de projeto, nem mesmo para voltar a dirigir um filme, nove anos depois de assinar o suspense O sinal ("Quero dirigir novamente, basta encontrar um projeto que me motive"). Embora tenha ficado claro que sua missão seja trabalhar pelo cinema do chamado mundo ibérico (Espanha, Portugal e América Latina), em sua luta por espaço ante a invasão de Hollywood.
– Há um laço cultural que nos liga muito fortemente – disse, na coletiva. – Nossos recursos são menores, se comparados à cinematografia dominante, mas em geral nossas histórias são contadas com o coração. E isso faz a diferença, mais do que outros aspectos que, no fim das contas, valem muito menos.
Ao receber o Platino de Honra, no palco do Centro de Convenções, Darín buscou levantar a autoestima da produção ibero-americana. Também chamou a atenção seu olhar em perspectiva para como o público vem se relacionando com essa produção ao longo dos anos – e, ademais, com todas as outras que buscam espaço em um mercado difícil.
– Parece-me que o espectador latino-americano já foi mais íntimo do cinema italiano, do alemão, do francês... Hoje os filmes chegam aqui, sim, mas em espaços mais reduzidos – afirmou, antes da cerimônia. – De todo o modo, não pretendo criticar a indústria dos EUA. Devemos olhar para nós mesmos, para saber se queremos consumir as nossas histórias ou as dos outros.
O intérprete de 59 anos desfilou pelo tapete vermelho com a mulher, a psicanalista Florencia Bas, 49, com quem é casado há 29 – e com quem tem os filhos Ricardo Jr., o Chino, ator de 27 anos, e Clara, que tem 24 e é cantora. Perguntado sobre o ofício, e a influência sobre os filhos artistas, também fez questão de buscar no passado familiar as explicações para suas escolhas:
– Não tive alternativas profissionais. Se meus pais (Ricardo Darín Sr. e Renée Roxana) fossem trapezistas, talvez tudo seria diferente. Mas eles eram atores. Então nunca me imaginei percorrendo outro caminho. Sou apenas um elemento de uma cadeia natural, que também envolve minha irmã (a atriz Alejandra Darín). E imagino que meus pais sintam orgulho, porque me realiza demais ver meus filhos dando prosseguimento a essa trajetória.
Darín é "o" rosto de um cinema argentino voltado ao mercado, que é, a rigor, aquele que alcança as plateias dos outros países. Fazer filmes que se comuniquem bem com o público é uma premissa que o ator persegue. Sempre. Mas isso não significa que ele não esteja atento à produção independente de caráter mais restrito.
Seu novo projeto é Kóblic, filme sobre um capitão que fugiu do exército após trabalhar nos chamados "voos da morte" – quando agentes do governo militar jogavam pessoas consideradas subversivas no Rio da Plata. Com estreia no Brasil em 15 de setembro, o longa tem direção de Sebastián Borensztein, o mesmo de Um conto chinês (2011).
Depois, o ator será visto em Nieve negra, thriller ao estilo de Nove rainhas (2000) assinado por Martin Hodara (codiretor de O sinal com o próprio Darín). Talvez seu projeto mais promissor seja aquele que levará a cabo com o diretor e a atriz de Paulina (2015) – o casal Santiago Mitre e Dolores Fonzi, que desfilou por Punta durante todo o fim de semana. O projeto do trio, ainda em fase de pré-produção, chama-se La Cordillera e abordará a política no contexto latino-americano, em uma trama que envolverá o presidente da Argentina (papel de Darín) e também o do Chile, onde se realizarão parte das filmagens.
– A história trará os bastidores do poder, sob um ponto de vista muito interessante. É só o que posso adiantar por ora – esquivou-se o astro.
– Será um grande filme, prometo – disse Dolores Fonzi, em conversa com ZH.
– Santiago é um gênio, tem tudo claramente definido em sua cabeça. O projeto pode abordar diversas questões simultaneamente, não importa: está tudo sob o seu controle. Paulina já tinha uma carga política. La Cordillera terá ainda mais.
* Daniel Feix viajou a Punta del Este a convite da organização dos
Premios Platino del Cine Iberoamericano