Jornais, revistas, filmes, áudios, fotos e peças publicitárias que resguardam a memória cultural e histórica do RS estão em risco no Museu da Comunicação Social Hipólito José da Costa. O prédio, construído em 1922, está em condições deploráveis, com complicações estruturais que incluem infiltração e problemas elétricos. Além disso, o local enfrenta um impasse administrativo na direção.
Não existe Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI). Tampouco acessibilidade, já que o único elevador que restava parou de operar há quatro meses (no total são três, todos inativos). Há fios desencapados por todos os lados, e as luzes não acendem em mais de uma área.
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A caixa d'água não tem tampa e, como está localizada no teto, causa infiltração sempre que chove. Aliás, a água é uma adversidade em vários pontos, e os baldes já ficam a postos. No subsolo, há uma marca d'água de cerca de 50cm na parede. O acúmulo é ainda maior no fosso do elevador.
Na área de fotografia, janelas quebradas impossibilitam o uso de uma das salas. Um ventilador fica ligado na tentativa de conter a umidade. No espaço dos filmes, os aparelhos de ar condicionado, que deveriam manter a temperatura ideal para preservação, não funcionam. Cerca de 1,5 mil películas serão descartadas devido ao elevado grau de deterioração.
– Todo filme vai morrer um dia, mas existem formas e condições para que isso seja retardado – explica a técnica responsável pela área, Carlinda Fischer Mattos.
Desde fevereiro, principalmente pela falta de segurança, o museu está fechado para pesquisa.
– Quantas dissertações e teses podem ter sido perdidas porque o pesquisador contava com o acervo do museu? É um acervo imenso, raro e muito rico para ficar inacessível – argumenta a historiadora Alice Trusz.
Outro ponto que motivou a interrupção parcial das atividades do museu – a visitação ainda é permitida – foi a inexistência de um catálogo atualizado do acervo.
– Existe uma lista de 10 anos atrás. Como vamos dar acesso quando não sabemos qual o acervo exato? – justifica Yuri Victorino Inácio da Silva, ex-diretor do museu, afastado temporariamente desde o dia 20.
A Procuradoria-Geral do Estado avalia se o fato de Silva ser colecionador configura conflito de interesses. Graziela Maier Alexandretti, coordenadora do Sistema Estadual de Museus (SEM/RS), assumiu a direção e deveria permanecer até que o caso fosse elucidado. Porém, pediu afastamento na última sexta-feira alegando falta de tempo para dar conta das duas funções.
Burocracia impede restauração do prédio
Uma equipe trabalha, conferindo peça a peça, para criar um inventário do museu desde junho de 2015. Entre jornais e revistas, apenas 3% do acervo foi catalogado até agora.
Incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas, o Hipólito José da Costa está habilitado para ser completamente restaurado. O problema é que o processo, que teve início em 2013, está longe de acabar. Foi contratada uma empresa só para realizar o projeto, dividido em quatro partes: identificação e conhecimento do bem, anteprojeto, projeto básico e projeto executivo. O trabalho está recém na primeira etapa. O limite previsto era dezembro deste ano, mas Jorge Evangelista, arquiteto do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae), avalia que haverá um aditivo de prazo. Somente quando finalizado o projeto, será licitada outra empresa para começar a obra.
Destaques do acervo do museu
– Exemplares do Diário de Porto de Alegre (de 1827 a 1828, o primeiro jornal a circular no RS, então chamado de Província de São Pedro), de O Noticiador (de 1832 a 1836, o primeiro jornal do interior do Estado, produzido em Rio Grande, divulgador dos ideais liberais que nortearam a Revolução Farroupilha) e de A Federação (de 1884 a 1937, fundado por Júlio de Castilhos).
– Na área da publicidade, há um convite para um banquete em homenagem a Borges de Medeiros (de 1928), o material oficial de divulgação do Centenário Farroupilha (de 1935) e uma coleção de cartazes originais de autoria do artista Nelson Boeira Faedrich (das décadas de 1930 e 1970).
– Programas da TV Piratini (de 1959 a 1980) e um dos primeiros aparelhos de televisão de válvula que chegou a Porto Alegre, na década de 1960.
– O primeiro longa-metragem sonoro gaúcho Vento norte, filmado por Salomão Scliar em 1951.
– Coleção do músico gaúcho e pesquisador fonográfico Hardy Vedana.
– Trilha sonora original do filme brasileiro Coisas nossas (1931), do período que marca a passagem do cinema mudo para o sonoro. É a mais antiga já recuperada do cinema brasileiro.