Chama-se Ênio o jovem protagonista de Ponto Zero, longa dirigido por José Pedro Goulart que estreia nesta quinta-feira nos cinemas. O personagem encarnado pelo ator Sandro Aliprandini passeia de bicicleta. Em certo momento, a câmera do diretor de fotografia Rodrigo Graciosa o flagra vagando em meio a carros e ônibus que trafegam em marcha ré, como se tentasse avançar em uma Porto Alegre que anda para trás. Em seguida, ele pedala na própria sala de aula, entre as classes, sem que nenhum colega ou professor o veja. De repente, efeitos visuais transformam o céu em chão, e o chão, em céu.
É esse o clima: Goulart aposta na força das imagens, algumas lúdicas, todas representativas do turbilhão que acomete o garoto, para retratar uma inadequação que é típica da idade mas que se vê potencializada pelo contexto que o cerca. Ênio sofre bullying na escola. Seu pai (interpretado por Eucir de Souza) é ausente. E a mãe (Patricia Selonk), tão afetada por essa ausência quanto o jovem protagonista, acaba por descarregar nele a frustração do relacionamento com o homem. Há momentos em que o guri desejaria ser invisível. Noutros, sente-se na contramão do mundo à sua volta.
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Seu jeito tímido e introspectivo é a chave para o cineasta abdicar de diálogos que seriam reiterativos e apostar naquilo que as imagens – e o excelente desenho de som de Kiko Ferraz e Chrístian Vaisz – são capazes de comunicar. É uma abordagem madura da linguagem cinematográfica, o que pode parecer improvável em um primeiro longa, porém possível em função da experiência do diretor, há três décadas dedicado a curtas, filmes comerciais e outras produções audiovisuais, para a TV ou o cinema.
Quando Ênio sai de casa com o carro do pai, num ato de libertação e rebeldia adolescente, o realizador usufrui de liberdade ainda maior para moldar a narrativa de Ponto Zero. Está tratando de amadurecimento, de deixar a infância para trás e encarar os próprios medos, o que, no fundo, é um processo subjetivo. Mais adequado que seja apresentado com elementos que não a fala, que seria a externalização de seus sentimentos. Sua experiência em direção à vida adulta é traumática e até barulhenta, mas seu desabafo, no fim das contas, é silencioso.
Com suas soluções simples, mas sofisticadas – a direção de arte de Valéria Verba e a trilha de Léo Henkin são exemplares neste sentido –, com sua coerência formal e seu lirismo surpreendente, Ponto Zero é um grande filme. Uma das melhores notícias do cinema gaúcho nos últimos anos.
Ponto Zero
De José Pedro Goulart
Drama, Brasil, 2015, 94min.
Em cartaz nos cinemas a partir desta quinta-feira.
Cotação: 4 estrelas (de 5).