Olhar fotos antigas quase sempre nos envolve num manto de nostalgia, de saudade, de vontade de volver, de inventar a máquina do tempo e com ela viajar ao que já fomos ou ao que talvez no futuro viermos a ser. Em poses muito antigas, não raro, descobrimos algumas fisionomias atuais. Percebemos tetranetos muito parecidos a tetravôs, filhas que são idênticas às suas jovens mães. O tempo como uma espiral que, passando pela mesma curva, distancia-se dela, mas segue a repetir-se.
Estou revendo fotos de antigos Festivais da Barranca. Os barranqueiros estão reunidos para mais um ano de convivência, amizade e música no lendário Rio Uruguai na margem são-borjense. O comício de espíritos – epíteto cravado na pedra de nossas almas pelo inexcedível e saudoso Luiz Sérgio Metz, o Sérgio Jacaré. Nas fotos, revejo em silêncio nostálgico, se destacam os que já partiram. Como sou daqueles que há mais de 30 anos fazem parte da confraria, tive a oportunidade de conhecer quase todos os seus fundadores. Menos um, seguramente, uma das mais emblemáticas figuras dos primeiros acampamentos: o Tio Manduca, o sábio campeiro, o arguto pescador, o inspirado contador de causos, o filósofo aldeão daquelas barrancas de rio. Na minha formação barranqueira faltaram as aulas deste mestre. Contudo, sobraram-me ensinamentos de Silva Rillo, de José Bicca, de Antônio Augusto Ferreira, de Telmo de Lima Freitas, de Nico Fagundes, entre muitos que entregaram o melhor de suas generosas almas naqueles encontros pascais.
Não se pode inferir a maravilha das edições
Neste ano, infelizmente, não pude ir. Um vazio existencial cutuca uma finíssima dor, invisível e contínua, mais na alma do que no coração. Penso na Barranca das fotos. Reflito sobre a Barranca de agora. Tendo a pensar, e sei que equivocadamente, que a das imagens é melhor do que a de hoje. Mas sei que tal sensação só me é possível porque uma complementa e atualiza a outra. Sem a grandeza atual do Festival, que sempre se inicia na quarta-feira e finda no Sábado de Aleluia, jamais se poderia inferir a maravilha de todas as edições passadas. Sei que os amigos barranqueiros renovaram os rituais e os abraços, e inundaram de música e poesia os escaninhos do mato. Beberam largos tragos de lua e de rio pelos que lá estão e outros tragos de sonho e de saudade pelos que por lá já passaram. Por aqui, eu canto solito: "Eu me chamo Generoso...".
Como é o encontro
- O 45º Festival da Barranca ocorre durante quatro dias da Semana Santa (de quarta-feira a sábado), reunindo músicos e compositores em um acampamento à beira do rio Uruguai, a 13 quilômetros de São Borja.
- O evento tem suas peculiaridades: entram apenas convidados, e mulher não pisa no acampamento.
- Outro diferencial é que os concorrentes têm menos de 24 horas para compor suas canções – o tema é anunciado no começo da noite da Sexta-Feira Santa e, no sábado, os músicos têm que defender as obras.
* Vinícius Brum é compositor, mestre em Literatura e colunista da seção Pampianas.