Os espectadores que acompanham os espetáculos de longa duração e elenco numeroso que Luciano Alabarse tem apresentado anualmente constatarão uma outra faceta do diretor, já explorada no passado: O Lugar Escuro, que estreia nesta sexta-feira (11/3), em Porto Alegre, tem apenas 75 minutos e um elenco enxuto de três atrizes (veja galeria de fotos ao final).
Fechada há seis anos, Sala Qorpo Santo reabre em Porto Alegre
Theatro São Pedro fecha para visitação e demite três funcionários
Mas não quaisquer atrizes. A experiente Sandra Dani, habitual colaboradora do diretor, vive uma mulher que apresenta sintomas de Alzheimer. Vika Schabbach, também da "família Alabarse", interpreta uma personagem que busca a difícil redenção de conviver com a doença da mãe. Completando o elenco, Gabriela Poester (que esteve em Crime Woyzeck, do mesmo encenador, no ano passado) representa a neta, trazendo uma nota de leveza às relações familiares expostas na trama.
A ação se dará no palco do Auditório do Instituto Goethe de Porto Alegre, que ganhou confortáveis poltronas no lugar das antigas cadeiras da plateia.
Assista a trechos do ensaio e a entrevistas com a equipe de O Lugar Escuro:
Sandra garante que, mesmo para uma veterana dos palcos, a incerteza sobre a capacidade de corresponder a um difícil papel serve como incentivo:
- Gosto de trabalhos que me desafiem, com os quais eu tenha algo a aprender. Cultivo minhas dúvidas mais do que as certezas, que são poucas. A dúvida te leva adiante; a certeza te contém.
O texto é uma adaptação do livro homônimo publicado pela escritora Heloisa Seixas em 2007 a partir de sua vivência com a doença da mãe (leia entrevista abaixo). Ela mesma assina a adaptação teatral, em roteiro que teve leitura dramática, no Rio, com Fernanda Montenegro, em 2011, e virou espetáculo, dois anos depois, sob direção de André Paes Leme. Alabarse e as atrizes da versão gaúcha, no entanto, evitaram se inspirar nessas experiências com o objetivo de criar uma montagem original.
- O tema é pesado, mas o espetáculo não. Pelo contrário: é redentor, termina para cima. Acende uma luz nos espectadores sobre como se administra uma doença na família. É lindo de ver - diz o diretor.
Leia todas as notícias de Espetáculos
Vika, que vive o papel da filha, conta que a equipe se impressionou com o retorno do público após a estreia do trabalho, neste ano, no festival Janeiro de Grandes Espetáculos, em Recife. Em uma das sessões, espectadores levaram familiares com Alzheimer. A atriz lembra:
- Ficamos impressionadas com a reação. Não tínhamos noção da urgência do tema. Parece que as pessoas precisavam ouvir e falar sobre isso, tirar de baixo do tapete.
Não foi apenas o público que se impressionou com a sensibilidade da abordagem de Heloisa Seixas. Também as atrizes viraram fãs da autora. Durante a entrevista para esta reportagem, Gabriela confessou, com um sorriso:
- Adicionei ela no Facebook.
ENTREVISTA: Heloisa Seixas, escritora
O livro que inspirou a peça foi publicado em 2007. O que mudou na sua percepção em relação a esse episódio autobiográfico desde então?
Escrevi o livro no meio do processo. Minha mãe, que estava doente em 2002, só viria a falecer em 2012. Mas, desde que me propus a tratar do assunto, já tinha consciência de que estava pacificada. Minha revolta, que retrato no livro e na peça, tinha sido vencida pela compaixão. Foi um processo de entendimento e pacificação. Essa percepção permanece, não mudou ao longo dos anos.
A partir da leitura dramática com Fernanda Montenegro, em 2011, e da montagem dirigida por André Paes Leme, em 2013, como você avalia a força da história transposta ao teatro?
Quando o livro ficou pronto, percebi que a história mexia demais com as pessoas, mais até do que eu esperava. A ideia de passar para o teatro veio um pouco daí. Eu me perguntava: como será quando o texto estiver sendo mostrado por pessoas de carne e osso? E não me enganei. Foram experiências muito impactantes. E eu percebi que a maior beleza da transposição para o teatro é que o texto ganha novos contornos, recebe contribuições em termos de carga emocional do diretor e das atrizes. É essa a força maior do teatro.
Para esta nova montagem, você fez alguma mudança significativa no roteiro da peça?
Da leitura dramática para a montagem de 2013/2014, houve algumas mudanças pequenas, naturais quando a peça sai do papel para o palco. Desde então, nem reli a peça. Passei para o Luciano (Alabarse, diretor) exatamente o texto como foi encenado no Rio.
Você continua recebendo manifestações de leitores e espectadores que se identificam com a história?
Esse assunto mexe muito com o emocional das pessoas. Até associações sobre o Alzheimer me procuram para falar do assunto. Mas acho importante dizer que a peça, assim como o livro, toca também pessoas que não têm ninguém com Alzheimer na família. E isso por um motivo simples: tratam de questões mais amplas, como as relações familiares, as dificuldades, os ciúmes entre irmãos, os pontinhos doloridos que ficam escondidos e vêm à tona quando surge uma coisa avassaladora como é a doença senil. Pelo que percebi até hoje, são essas questões que fazem com que mais pessoas se identifiquem com esse "lugar escuro". Ele existe dentro de todos nós.
O LUGAR ESCURO
Estreia nesta sexta-feira (11/3). Sextas e sábados, às 21h, e domingos, às 18h. Temporada até 3 de abril.
Auditório do Instituto Goethe (Rua 24 de Outubro, 112), fone (51) 2118-7800, em Porto Alegre.
Ingressos: R$ 40. Desconto de 50% para estudantes, idosos e classe teatral. À venda na bilheteria do local às sextas e aos sábados, a partir das 19h, e aos domingos, a partir das 17h.
Veja imagens de ensaio de O Lugar Escuro:
Adaptação teatral
Peça "O Lugar Escuro" mostra impacto do Alzheimer em família
Com direção de Luciano Alabarse, espetáculo estreia nesta sexta-feira em Porto Alegre
Fábio Prikladnicki
Enviar emailGZH faz parte do The Trust Project
- Mais sobre: