Caio Fernando Abreu morreu no dia 25 de fevereiro de 1996 (hoje completa-se vinte anos de sua morte), vítima de complicações decorrentes do vírus HIV, aos 47 anos de idade. Um dos mais instigantes autores de sua geração, fez de sua vida e obra uma provocação. A convite do Anexo, o escritor Carlos Henrique Schroeder conversou com a jornalista e pesquisadora blumenauense (radicada em Belo Horizonte) Vanessa Souza, doutora em literatura brasileira pela UFRJ e que há vinte anos mergulha na obra do autor.
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CAIO E CLARICE
Clarice Lispector foi a maior referência literária de Caio. No livro Inventário do Irremediável a influência dela é ainda maior, com ele trabalhando o conceito de epifania. No início da década de 70, em Porto Alegre, Caio foi a um lançamento de um livro de Clarice. "Cheguei lá timidíssimo, lógico. Vi uma mulher linda e estranhíssima num canto, toda de preto, com um clima de tristeza e santidade ao mesmo tempo, absolutamente linda. Era ela", ele contou sobre esse dia. Clarice é apresentada a Caio por um escritor que estava ali. Caio conversou com ela sem acreditar na situação. Clarice deu seu número de telefone e disse para Caio ligar quando fosse ao Rio. "Tive 33 orgasmos consecutivos", disse ele.
MORANGOS MOFADOS
A revista Bravo! selecionou esse livro na lista dos "100 livros essenciais da literatura brasileira", e eu concordo!
Lançado em 1982 traz coisas do Caio, que são as mesmas de qualquer indivíduo (além das coisas do coração), sobretudo os que passaram por uma ditadura: solidão, dor, estranhamento, medo...
Morangos Mofados é sempre minha indicação para os que começam a ler. Sempre dou de presente, sugiro aos meus alunos, amigos, leitores do meu blog... Já o meu favorito é o livro de cartas, organizado belamente pelo Ítalo Moriconi. Lá encontramos as deprês, amores, decepções, novas esperanças, o lado divertido, a raiva contida (ou não), todas as facetas de Caio Fernando Abreu. Sua obra é universal, bela, densa, retrato de uma geração, forte... Para além disso e muito mais, o estilo da escrita é ímpar. Caio era obsessivo com a forma do texto. E isso resultou em escritos primorosos. Os novos leitores não deveriam ter como motivação ler o Caio por estar na moda a "caiomania" - fenômeno que está ocorrendo com Proust -, e sim porque é muito bom.
OS PREDILETOS DE CAIO
A lista é grande, dos que sei: Clarice Lispector, Marcel Proust, Marguerite Duras, Hilda Hilst, Ana Cristina Cesar, Cortázar, Gabriel García Marquez, Carlos Fuentes, Ricardo Piglia, Ernesto Sábato, Lygia Fagundes Telles, Virginia Woolf, Stendhal, Machado de Assis, Flaubert, Reinaldo Arenas, Rimbaud, Baudelaire, Edgar Allan Poe, James Joyce, Ezra Pound, Adélia Prado, Mário Quintana, Drummond, Fernando Pessoa, T.S. Elliot, Érico Veríssimo, Frances Burnett...
SUA TRAJETÓRIA E O ENCONTRO
Nasci em Blumenau, onde fiquei até o final da graduação. Um amigo de Florianópolis me apresentou a obra do Caio, e, na época, eu não encontrei nenhum exemplar dele nas livrarias de Blumenau. Acabei pedindo para minha irmã, que na época fazia graduação na FURB, procurar um exemplar na biblioteca. Lá estavam Morangos Mofados e Os Dragões Não Conhecem o Paraíso. Fiquei arrebatada com a leitura. Os restantes fui encontrando em sebos de outras cidades maiores. Saí de Blumenau e morei em alguns lugares, por questões de trabalho e estudos. Os lugares e anos que mais me marcaram foram os que morei em Porto Alegre (onde tive a verdadeira imersão de Caio F., bairro Menino Deus, Bar Ocidente, o bairro Cidade Baixa.) e os anos em que morei no Rio de Janeiro, de onde saí faz um ano para morar em Belo Horizonte - berço de Lúcio Cardoso e Paulo Mendes Campos, autores que amo, amigos de Clarice.
A PESQUISA
Na dissertação, a ideia inicial foi escrever sobre amor e paixão, sob a ótica da psicanalítica (meu mestrado foi em psicanálise com linha de pesquisa em literatura), sobretudo usando as teorias de Freud e Lacan, "ilustradas" com trechos de livro do Caio Fernando Abreu publicados na década de 80. À medida que o trabalho foi tomando forma, outras questões surgiram: a importância da literatura para a psicanálise, a relação que o escritor gaúcho tinha com a psicanálise (como analisando e no seu processo de criação), uma análise sobre o papel do psicanalista e os escritores como pensadores de uma época e papel dos clássicos na literatura. O recorte foi a obra do Caio publicada/produzida na década de 80, com todas as vicissitudes desse conturbado período pós ditadura. No primeiro ano de doutorado no RJ, a pesquisa foi/é sobre a autoficção na obra do Caio.
SOBRE CAIO
Caio Fernando Loureiro de Abreu nasceu em 12/09/1948, em Santiago (RS). Ainda jovem foi morar em Porto Alegre, onde cursou Letras e Arte Dramática na UFRGS, mas abandonou para ser jornalista. Trabalhou nas revistas Nova, Manchete, Veja e Pop, foi editor da revista Leia Livros e colaborou em diversos jornais: Correio do Povo, Zero Hora, O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo. Suas principais obras são Inventário do Irremediável, O Ovo Apunhalado, Morangos Mofados, Os Dragões não conhecem o Paraíso, Ovelhas Negras e Onde Andará Dulce Veiga?