Certa vez, no Festival de Gramado, Selton Mello disse que fez seu longa-metragem O Palhaço (2011) pensando em alguns de seus heróis – e eles iam de Os Trapalhões a Federico Fellini. Não por acaso, Os Palhaços é um filme que, além de Didi Mocó e o diretor de 8 ½ (1963), emula o tragicômico Feios, Sujos e Malvados (1976), um das mais memoráveis títulos assinados por Ettore Scola: assim como o ator e diretor brasileiro, Scola tinha a rara capacidade de dar sentido a uma compilação com as mais improváveis influências. Comédia de costumes, drama social, ensaio político – cabia tudo isso em seu cinema. Simultaneamente.
Scola chamou a atenção do mundo nos anos 1960, quando Fellini já havia dado um passo adiante após a revolução neorrealista do pós-II Guerra. Consolidou-se na década seguinte, transitando entre o cinema político e a clássica comédia italiana, talvez as duas vertentes mais significativas da produção do país à época. A tríade Nós que Nos Amávamos Tanto (1974), Um Dia Muito Especial (1977) e o já citado Feios, Sujos e Malvados funciona como uma introdução perfeita ao seu universo ao mesmo tempo emotivo e autoirônico, escrachado e delicado, idealista e romântico porém chocante pelo seu realismo sem filtros.
O Baile (1983), outro de seus filmes fundamentais, revelou domínio da mise en scène e uma ainda maior sofisticação formal. O registro era outro, mas estava a serviço do mesmo propósito: pegar o espectador pela emoção, mas chamá-lo à conscientização política. Se você viu Um Dia Muito Especial (se não viu, na sabe o que está perdendo), vai lembrar de quando, já nas sequências finais, a dona de casa interpretada por Sophia Loren se vê enredada pelo enigmático militante vivido por Marcello Mastroianni. O apelo do homem estava, ao mesmo tempo, ligado ao coração e à razão. Essa simbiose era o que Scola fazia de melhor. Foi o que o colocou no patamar dos grandes.