Aqui vão cinco títulos fundamentais na filmografia do italiano Ettore Scola, que morreu na última terça-feira, um dos maiores diretores da história do cinema:
NÓS QUE NOS AMÁVAMOS TANTO (1974)
Foi a partir dessa comédia dramática que a assinatura de Scola passou a indicar ao público um cinema que alia reflexão, drama e comicidade. O filme é um emocionante acerto de contas entre três amigos idealistas (Nino Manfredi, Vittorio Gassman e Stefano Satta Flores) cujo pano de fundo é a história política e social da Itália dos 30 anos seguintes ao fim da II Guerra e o cinema italiano da época – com participações especiais de Federico Fellini, Vittorio De Sica e Marcello Mastroianni.
Da resistência à ocupação nazista ao engajamento político dos anos 1960, o longa mostra as aventuras e desilusões amorosas de uma geração que sonhava em mudar o mundo.
FEIOS, SUJOS E MALVADOS (1976)
Prêmio de melhor direção no Festival de Cannes, o filme marca a confluência de duas tradições do cinema italiano fundamentais na obra do realizador Ettore Scola: o neorrealismo e a comédia popularesca. O longa dialoga com o primeiro longa de Pasolini, Accattone – Desajuste Social (1961), ao mostrar a miséria nos arrabaldes de Roma. A diferença é que o olhar de Scola para o mundo lúmpen é irônico e impiedoso.
Giacinto (Nino Manfredi) é o chefe de um inumerável núcleo familiar que vive amontoado em uma casa de favela. Na promiscuidade do barraco sem paredes, moram filhos e filhas, genros e noras, netos e netas _ todos tratados com desprezo pelo patriarca, desconfiado de que os parentes só querem colocar a mão no seu dinheiro, compensação que ganhou por causa do olho que perdeu trabalhando. Quando Giacinto traz para casa uma enorme prostituta, a matriarca decide dar um fim no marido e pegar seu dinheiro: com a conivência de toda a família, coloca veneno de rato na massa do bruto.
Diferentemente da visão dramática da realidade dos desvalidos italianos nos filmes neorrealistas de Rossellini, De Sica e Visconti, Feios, Sujos e Malvados prefere o riso à lágrima para fazer sua denúncia: a pobreza extrema é um mal que pode transformar homens em ratos.
UM DIA MUITO ESPECIAL (1977)
Melodrama ambientado na Roma fascista do final dos anos 1930, o filme começa com a exibição de um cinejornal mostrando uma visita de Adolf Hitler a seu colega Benito Mussolini na capital italiana. Do painel histórico para o quadro particular: um longo travelling pelo pátio interno de um edifício termina com a câmera invadindo pela janela o lar de Antonietta (Sophia Loren), reprimida dona de casa que ajuda o marido e os filhos a se preparem para assistir ao encontro dos ditadores.
Quando o prédio se esvazia por causa da parada, a mulher conhece por acaso o vizinho Gabriele (Marcello Mastroianni), um ex-radialista demitido por causa de sua homossexualidade. Mais que atração sexual, entre os dois nasce uma identificação assentada na solidão e no reconhecimento como exilados sociais.
Globo de Ouro de filme estrangeiro, Um Dia Muito Especial também foi indicado ao Oscar dessa categoria – Mastroianni concorreu ainda à estatueta de melhor ator. A excelência da atuação do casal protagonista confere densidade a essa obra-prima de Scola, espécie de huis-clos que condena o condicionamento da vida privada pela pressão político-social.
O BAILE (1983)
Adaptação cinematográfica da primeira montagem encenada pela companhia Théâtre du Campagnol, o musical deu o César francês de melhor diretor e o Urso de Prata do Festival de Berlim a Scola, além de ter sido indicado ao Oscar de filme estrangeiro. Filme que marcou época quando foi exibido originalmente no Brasil, O Baile se passa em um único cenário: um salão de baile popular, onde duas dezenas de atores interpretam os músicos e os frequentadores que lá dançaram durante cinco décadas.
A ação se inicia em 1983, com a chegada de algumas mulheres e de um grupo de tímidos homens, ao som de música mecânica de danceteria brega. O filme viaja então no tempo para traçar uma radiografia da sociedade francesa por meio de eventos históricos que repercutem na pista de dança: o movimento esquerdista da Frente Popular em 1936, a ocupação nazista em 1940 durante a II Guerra, a libertação de Paris e a vitória da Resistência em 1944, o jazz trazido pelos soldados americanos em 1946, o rock'n'roll e o samba tomando conta da pista de dança em 1956, a invasão do salão então abandonado pelos estudantes radicais em 1968.
Colaboram para a fluidez dos quadros no filme a música ilustrativa de Vladimir Cosma e as excelentes atuações dos atores do Théâtre du Campagnol, que mesmo no registro da caricatura não perdem força expressiva.
A FAMÍLIA (1986)
Scola volta a usar o expediente de mostrar um amplo panorama histórico pelo prisma de um relato doméstico. Interpretado por um elenco de estrelas do cinema europeu – Vittorio Gassman, Fanny Ardant, Philippe Noiret e Stefania Sandrelli –, o drama traça a trajetória de um clã burguês italiano entre 1906 e 1986, sob o olhar do patriarca Carlo.